“Se o desenvolvimento da consciência continua – 0 qual pode começar quando uma nova fase de desenvolvimento cognitivo propicia ao indivíduo a competência necessária para atingir um nível de abstração que que está relativamente livre de concretismo – ele dá-se conta de que os portadores de projeções específicas não são idênticos às projeções que trazem em si. As pessoas que trouxeram consigo as projeções podem sair detrás das projeções e, como resultado, elas tornam-se frequentemente desidealizadas. Nesta etapa, o mundo perde muito do seu primitivo encanto. O conteúdo psíquico projetado torna-se abstrato, e manifesta-se agora como símbolos e ideologias. Omnisciência e onipotência deixaram de ser atribuídas a seres humanos, mas tais qualidades são projetadas em entidades abstratas, como Deus, Destino e Verdade. Filosofia e teologia tornam-se possíveis. Valores supremos assumem o poder numinoso que antes era atribuído a pais e professores. A Lei, ou a Revelação, ou os Ensinamentos passam a estar investidos com projeções arquetípicas, o mundo concreto cotidiano torna-se relativamente livre de projeções e pode-se assim interagir com ele como neutral. Na medida em que é alcançada essa etapa da consciência, uma pessoa fica menos vulnerável ao medo de inimigos e forças maléficas.”
“Enquanto a pessoa acreditar que um Deus real a punirá ou premiará na vida futura, isso indica uma Etapa 3 do nível de consciência. A projeção foi simplesmente transferida do pai ou mãe humanos para uma figura mais abstrata, mitológica.”
“A quarta etapa representa a extinção radical de projeções, mesmo na forma de abstrações teológicas e ideológicas. Essa extinção leva à criação de um “centro vazio” que Jung identifica com a modernidade. Isso é o “homem moderno em busca de sua alma”. O sentimento de alma grandioso sentido e propósito na do vida, imortalidade, origem divina, um “Deus íntimo” – é substituído por valores utilitários e pragmáticos. Agora, a interrogação primordial é “Isso funciona?” Os seres humanos passam a ser vistos como engrenagens numa gigantesca máquina socioeconômica, e suas expectativas de significado são reduzidas ao mínimo. O indivíduo contenta-se com breves momentos de prazer e com as satisfações de desejos controláveis. Ou entra em depressão! Os deuses já não habitam nos céus e os demônios estão convertidos em sintomas psicológicos e desequilíbrios químicos cerebrais. O mundo está despojado de conteúdos psíquicos projetados. (…). Os princípios são apenas relativamente válidos e os valores são vistos como derivados de normas e expectativas culturais. Tudo o que é cultural parece ser manufaturado e desprovido de significado inerente. Natureza e história são vistas como o produto do acaso e do jogo aleatório de forças impessoais. Chegamos, neste ponto, à atitude e à tônica sentimental da pessoa moderna: secular, ateísta, talvez levemente humanista. Os valores de uma pessoa moderna parecem cercados de reservas, condições, “talvez”, “não é seguro”. A postura moderna é relativista.
Nesta quarta etapa da consciência, parece como se as projeções psíquicas tivessem desaparecido completamente. Jung sublinha, entretanto, que isso é, sem a menor dúvida, uma falsa suposição. Na realidade, o próprio ego foi investido com os conteúdos previamente projetados em outros, em objetos e abstrações. Assim, o ego está radicalmente inflado na pessoa moderna e assume uma posição secreta de Deus Onipotente. O ego, em vez das Leis ou Ensinamentos, é agora o recipiente de projeções, boas e más. O ego torna-se o único árbitro de certo e errado, verdadeiro e falso, belo e feio. Não existe fora do ego nenhuma autoridade que o supere. O significado deve ser criado pelo ego; não pode ser descoberto em nenhum outro lugar. Deus já não está mais “lá fora”, sou eu! Embora a pessoa moderna pareça ser razoável e estar assente em bases firmes, na realidade está louca. Mas isso está escondido, uma espécie de segredo guardado até da própria pessoa.”
Stein, Murray. Jung, O Mapa da Alma – Uma introdução. Ed. Cultrix, 2020, Local Kindle 4388-4445.
8. O surgimento do si-mesmo (As cinco etapas da consciência)