Ritual das três penas

“Esse é um exemplo típico de estrutura do ego endurecida a tal ponto que recusa qualquer possibilidade de renovação. Eu, frequentemente, digo a essas pessoas que elas têm a mesma atitude daquele indivíduo que vai ao médico e pede que esse o cure, mas que, por favor, não examine a urina porque é algo muito pessoal. Muitas pessoas fazem isso. Eles vão para a análise, mas guardam as informações principais no bolso do colete, pois “não é da conta de ninguém” o conhecimento daqueles aspectos. 

(…)Existe a fobia de que a coisa nova seja em si mesma, terrível.

(…) ritual das três penas. Este costume, comum na época, não difere muito daquele de jogar uma moeda para o alto.(…) Isto é em si mesmo importante, pois é o primeiro movimento em termos de abandonar a determinação do ego, a racionalização cons- ciente do próprio indivíduo.

De acordo com o princípio pars pro totto (a parte pelo todo), que é uma forma mágica de pensar, a pena significa pássaro e, pássaros, em geral, representam entidades psíquicas de caráter intuitivo e mental.  

Existe mesmo uma tribo sul-americana que usa a palavra “pena” como sufixo para descrever tudo aquilo que existe só no plano psicológico, e não na realidade externa. Pode-se falar de uma “raposa- pena”, um “arco-pena”, ou uma “árvore-pena”; a palavra “pena” indica que a raposa, o arco e a árvore não estão contidos na realidade física, mas têm a ver com a reali- dade psíquica. (…) Colocando penas no próprio corpo o primitivo marca a si mesmo como um ser psíquico e espiritual.

O vento, na maioria dos contextos religiosos e mitológicos, representa o poder espiritual, de onde vem a palavra “inspiração”.

Isto é o que acontece quando alguém chega para a análise e conta todos os problemas e o analista diz: “Bem, eu não sou mais inteligente que você. Eu não vejo nada a partir disso, mas vejamos o que os sonhos dizem”. E então, os sonhos serão examinados sob o ângulo de sua finalidade e, aí, pode-se discernir para onde a corrente da vida se dirige nos sonhos. De acordo com Jung os sonhos não obedecem somente ao princípio da causalidade, mas apresentam também um aspecto de finalidade, através do qual observa-se para onde a libido tende a ir. Nós “as- sopramos uma pena no ar” e vemos que direção ela toma e, então, dizemos: “Vamos por esse caminho, pois há uma ligeira tendência nesta direção”. 

(…)Uma pena vai para o leste, outra para o oeste e a pena do Tolo cai bem em frente, no chão. De acordo com algumas variações mais sutis, a pena cai em cima de uma pedra marrom bem a seus pés, e o Tolo diz: “Isso significa que eu não vou para nenhum lugar”, e é assim que ele encontra o seu próprio caminho, aquele que está perfeitamente de acordo com o seu caráter. Muitas vezes procuramos por todos os cantos a solução de nossos problemas e não percebemos que e está bem em frente do nosso nariz. Não somos humildes o suficiente para olhar para baixo, mas, ao contrário, mantemos o nariz bem levantado no ar.” 

FRANZ, Marie-Louise von. A interpretação dos contos de fadas. São Paulo: Paulus, 2022, pág. 87-90.

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