Ainda não voltara a mim da profunda surpresa,
quando Salústio se aproximou, informando a Narcisa:

— Nossa irmã Paulina deseja ver o pai enfermo, no Pavilhão 5.
Antes de atender, julguei razoável consultá-la, porque
o doente continua em crise muito aguda.

Mostrando gestos de bondade que lhe
eram característicos, Narcisa acentuou:

— Mande-a entrar sem demora. Ela tem permissão da ministra, visto ESTAR CONSAGRANDO O TEMPO DISPONÍVEL EM TAREFA DE RECONCILIAÇÃO DOS FAMILIARES.

Narcisa nos convidou a acompanhá-la, e, minutos após,
tinha diante de mim um velho de fisionomia desagradável.
Olhar duro, cabeleira desgrenhada, rugas profundas, lábios retraídos, inspirava mais piedade que simpatia. Procurei, contudo,
vencer as vibrações inferiores que me dominaram, a fim
de observar, acima do sofredor, o irmão espiritual.

Desapareceu a impressão de repugnância,
aclarando-se-me os raciocínios.
Apliquei a lição a mim mesmo. Como teria chegado, por minha vez, ao Ministério do Auxílio? Deveria ser horrível meu semblante de desesperado.
Quando examinamos a desventura de alguém, lembrando as próprias deficiências, há sempre asilo
para o amor fraterno, no coração.

— Não diga isso, papai – pediu a moça delicadamente. – Lembre-se de que Edelberto entrou em nossa casa como filho, enviado por Deus.

— Meu filho?! — gritou o infeliz. — Nunca! Nunca!… É criminoso sem perdão, filho do inferno!…

— (…) é indispensável reconhecer que só existe um Pai realmente eterno, que é Deus, mas o Senhor da Vida nos permite a paternidade ou a maternidade no mundo, a fim de aprendermos a fraternidade sem mácula.(…)

Ouvindo-lhe a voz muito meiga,
o doente se pôs a chorar convulsivamente.

— Perdoe Edelberto, papai! Procure sentir nele não o filho leviano, MAS O IRMÃO NECESSITADO DE ESCLARECIMENTO. Estive em nossa casa, ainda hoje, lá observando extremas perturbações.
Daqui, deste leito, o senhor envolve todos os nossos em fluidos de amargura e incompreensão, e eles lhe fazem o mesmo por idêntico modo. O PENSAMENTO, EM VIBRAÇÕES SUTIS, ALCANÇA O ALVO, POR MAIS DISTANTE QUE ESTEJA. A PERMUTA DE ÓDIO E DESENTENDIMENTO CAUSA RUÍNA E SOFRIMENTO NAS ALMAS.

— Aqui, vemo-lo em estado grave; na Terra, mamãe louca e os filhos perturbados, odiando-se entre si. Em meio a tantas mentes desequilibradas, uma fortuna de um milhão e quinhentos mil cruzeiros. E que vale isso se não há um átomo de felicidade para ninguém?

— Mas eu leguei enorme patrimônio à família – atalhou o infeliz, rancorosamente – desejando o bem-estar de todos…

Paulina não o deixou terminar, retomando a palavra:

— Nem sempre sabemos interpretar o que seja benefício, no capítulo da riqueza transitória.
(…) São raros os que se preocupam em ajuntar conhecimentos nobres, qualidades de tolerância, luzes de humildade, bênçãos de compreensão. Impomos a outrem os nossos caprichos, afastamo-nos dos serviços do Pai, esquecemos a lapidação do nosso espírito.

XAVIER, Francisco Cândido / André Luiz. Nosso Lar. 1. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1944. Edição Kindle.

CAPÍTULO 30 | HERANÇA E EUTANÁSIA

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