À medida, porém, que se consolidava
meu equilíbrio emocional, intensificava-se-me
a ansiedade de rever os meus.
A saudade doía fundo. Em compensação, de longe em longe era visitado por minha mãe, que nunca me abandonou à própria sorte, embora permanecesse em círculos mais altos.
A última vez que nos avistáramos, ela me disse que tencionava cientificar-me de projetos novos.
Com efeito, nos primeiros dias de setembro de 1940,
minha mãe veio às Câmaras e, depois das saudações carinhosas, comunicou-me o propósito de voltar à Terra.
— Não concordo. Voltar a senhora à carne?
Por que internar-se, de novo, no caminho escuro,
sem necessidade imediata?
Mostrando nobre expressão de serenidade, minha mãe ponderou:
— Não consideras a angustiosa condição de teu pai, meu filho? Há muitos anos trabalho para reerguê-lo, e meus esforços têm sido improfícuos. Laerte é hoje um cético de coração envenenado. Não poderia persistir em semelhante posição, sob pena de mergulhar em abismos mais fundos. Que fazer, André? Terias coragem de revê-lo em tal situação, esquivando-te ao socorro justo?
— Não — respondi impressionado —; trabalharia por auxiliá-lo,
mas a senhora poderá ajudá-lo mesmo daqui.
— Não duvido. No entanto, os Espíritos que amam, verdadeiramente, não se limitam a estender as mãos
de longe. DE QUE NOS VALERIA TODA A RIQUEZA MATERIAL, SE NÃO PUDÉSSEMOS
ESTENDÊ-LA AOS ENTES AMADOS?
Não haverá meios de evitar essa contingência?
— Não. Não seria possível. Estudei detidamente o assunto.
Meus superiores hierárquicos foram acordes no conselho.
Não posso trazer o inferior para o superior,
mas posso fazer o contrário. Que me resta senão isso?
Não devo hesitar um minuto. Tenho em ti o amparo do futuro. Não te percas, pois, meu filho, e auxilia tua mãe, quando puderes transitar entre as esferas que nos separam da crosta.
Com a colaboração de alguns amigos, localizei-o na Terra, semana passada, preparando-lhe a reencarnação imediata sem que ele nos identificasse o auxílio direto. Quis fugir das mulheres que ainda o subjugam, talvez com razão, e aproveitamos essa disposição para jungi-lo à nova situação carnal.
—Mas isso é possível? E a liberdade individual?
Minha mãe sorriu, algo triste, e obtemperou:
— Há reencarnações que funcionam como drásticos. Ainda que o doente não se sinta corajoso, existem amigos que o ajudam a sorver o remédio santo, embora muito amargo. Relativamente à liberdade irrestrita, a alma pode invocar esse direito somente quando compreenda o dever e o pratique. Quanto ao mais, é indispensável reconhecer que o devedor é escravo do compromisso assumido. Deus criou o livre-arbítrio, nós criamos a fatalidade. É preciso quebrar, portanto, as algemas que fundimos para nós mesmos.
— E essas mulheres? — indaguei. —
Que será feito dessas infelizes?
Minha mãe sorriu e respondeu:
— SERÃO MINHAS FILHAS DAQUI A ALGUNS ANOS.
É preciso não esqueceres que irei ao mundo em auxílio de teu pai. Ninguém ajuda eficientemente, intensificando as forças contrárias, como não se pode apagar na Terra um incêndio com petróleo.
É indispensável amar, André!
XAVIER, Francisco Cândido / André Luiz. Nosso Lar. 1. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1944. Edição Kindle.
CAPÍTULO 46 | SACRIFÍCIO DE MULHER