Os Movimentos de Si mesmo

“A concepção junguiana do si-mesmo é simultaneamente estrutural e dinâmica. (…) Jung concebe o si-mesmo como algo que está sujeito a uma contínua transformação no decorrer de uma vida inteira.

Cada uma das imagens arquetípicas que se apresentam na sequência de desenvolvimento do nascimento à velhice – o bebê divino, o herói, o puer e a puella, o rei e a rainha, a velha bruxa e o sábio ancião são aspectos ou expressões desse singular arquétipo. Durante o desenvolvimento, o si-mesmo colide com a psique e gera mudanças no indivíduo em todos os níveis: físico, psicológico e espiritual. O processo de individuação é impulsionado pelo si-mesmo e levado a efeito através do mecanismo de compensação. Embora o ego não o gere nem o controle, pode participar nesse processo na medida em que adquire consciência dele.”

“No final de um de  seus últimos livros, o Aion, Jung apresenta um diagrama para ilustrar os movimentos dinâmicos do si-mesmo. O diagrama tem o aspecto de uma espécie de átomo do carbono. Isto representa uma fórmula para a transformação de uma entidade singular, o si-mesmo, dentro do contexto do contínuo da vida psicológica de um indivíduo. Nesse diagrama, Jung está tentando retratar um movimento, dentro do si mesmo, desde o potencial puro até a sua concretização: “O processo expresso por nossa fórmula transforma a totalidade originariamente inconsciente numa totalidade consciente.” Uma vez que descreve um processo contínuo de transformação de uma só e mesma substância, é um processo de transformação e renovação, assim como um movimento para a tomada de consciência.”

“O movimento começa no Quatérnio A, o qual representa o nível arquetípico, o polo do espírito do espectro psíquico. Manifesta-se aí como imagem ideal. Enquanto descreve um curso circular através dos Quatérnios A, B, C e D, e retorna então a A para repetir tudo de novo, um conteúdo psíquico, uma imagem arquetípica, ingressa no sistema psíquico na extremidade arquetípica do espectro, seguindo-se um processo de integração em cada um dos outros três níveis. Em primeiro lugar, a imagem circula pelos quatro pontos da quaternidade arquetípica, e a ideia fica mais clara. Depois, a ideia muda para o nível B, entrando pela porta de b minúsculo, por um processo semelhante ao da mudança de um nível de energia num átomo. Isto é uma mudança para outro nível de consciência. Agora, a ideia existe ao nível da sombra, e ingressa na realidade e na vida cotidiana, onde todos os objetos projetam sombras. A ideia adquire substancialidade, e a ideia de unidade, totalidade e integridade deve perdurar agora até o fim da vida. A ideia abre seu caminho através desse nível psíquico e deve ser concretamente realizada no espaço e no tempo, e isto introduz limitações e problemas. Jung diz que todo ato humano pode ser olhado positiva ou negativamente, e quando se transita do pensamento para a ação está-se ingressando num mundo de potencial de sombra. Toda a ação leva a uma reação. Tem um impacto externo e assim, quando alguém principia realmente a individuar-se, a efetuar mudanças sobre as quais as outras pessoas começam a queixar-se, essa pessoa está se movimentando dentro do quatérnio da sombra. A ideia está se materializando, exercendo seu efeito no comportamento na vida real, e descendo até o nível instintivo. Arquétipos e instintos estão sendo ligados nesse nível, e quando a ideia se desloca para o quatérnio da sombra, ela assume cada vez mais atributos instintivos e consubstanciados.”

“Quando a ideia desce para o nível C, penetra no interior da physis, que é um nível extremamente profundo no substrato material do corpo, e o próprio corpo começa a mudar. O princípio organizador que começa com a imagem e ingressa na psique torna-se comportamento; depois entra em contato e constela o instinto, e começa agora a afetar o corpo de tal modo que, na realidade, reorganiza moléculas. Esse profundo nível físico situa-se para além da barreira psicoide da psique.

Essa é uma forma motivadora implícita na própria evolução. A estrutura acompanha a forma.

“Com o nível D, é alcançado o próprio nível da energia. Ai reside a origem da cristalização da energia em matéria. É o nível submolecular e subatômico de energia e o constitui de formas que a modelam. Atingir este nível é sugerir a realização de uma mudança deveras profunda, mudança ao nível da própria energia e de sua organização.”

A fórmula em questão representa um símbolo do si-mesmo, pois este último não é apenas uma grandeza estática ou uma forma persistente, mas também um processo dinâmico, do mesmo modo que os antigos não consideravam a imago Dei [imagem de Deus) presente no homem como simples marca estampada por sinete, uma espécie de impressão estereotipada e sem vida, mas como força atuante. As quatro transformações constituem um processo de reconstituição ou de rejuvenescimento que tem lugar, por assim dizer, no interior do si-mesmo, mais ou menos comparável ao ciclo do carbono e do nitrogênio no interior do sol, durante o qual um núcleo do carbono capta quatro prótons… e libera-os de novo sob a forma de partículas alfa. Neste ponto, o núcleo do carbono ressurge, inalterado, “como a Fênix das cinzas”. É presumível que o mistério da existência, isto é, a existência do átomo e seus componentes, possa muito bem consistir num processo continuamente repetido de rejuvenescimento, e chega-se a conclusões semelhantes ao tentar explicar a numinosidade dos arquétipos.

(…) podemos pensar no si-mesmo como uma entidade cósmica que emerge na vida humana e se renova interminavelmente em suas rotações através da psique.”

Stein, Murray. Jung, O Mapa da Alma – Uma introdução. Ed. Cultrix, 2020, Local Kindle 4704-4768.

8. O surgimento do si-mesmo (Os Movimentos de Si mesmo)

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