“Jung disse que estar numa situação que não tem saída, ou es- tar num conflito onde não há solução é o começo clássico do processo de individuação. A situação parece ser sem solução: o inconsciente quer um conflito sem esperanças a fim de colocar a consciência do ego contra a parede, de tal forma que o indivíduo perceba que tudo o que ele fizer estará errado, e qualquer caminho que tomar será falso. Isso significa quebrar a superioridade do ego, que sempre age com a ilusão de que tem a responsabilidade da decisão. Evidentemente, se um homem disser: “Está bem, então eu vou deixar tudo, andar sozinho e não tomar nenhuma decisão, mas simplesmente me deixar enlevar e prender por tudo”, é igualmente falso, pois dessa forma também nada acontece. Mas se ele for ético o suficiente para sofrer até o âmago de sua personalidade, então, por haver a insolubilidade da situação consciente, o SELF se manifesta. Em linguagem religiosa poder-se-ia dizer que a situação sem saída é a que força o homem a contar com Deus. Em linguagem psicológica a situação sem saída, que a anima arranja com grande habilidade na vida do homem, significa levá-lo a uma condição na qual será capaz de experienciar o SELF. Nessa condição ele estará aberto interiormente à interferência do tertium quod non datur (o terceiro que não é dado, isto é, o desconhecido). Desta forma, como Jung disse, a anima é o guia para a realização do SELF, mas algumas vezes de uma maneira muito dolorosa. Ao pensarmos na anima como um guia da alma, podemos pensar em Beatriz conduzindo Dante ao Paraíso; mas não devemos esquecer que ele experienciou isso somente depois de ter passado pelo Inferno. Normalmente, a anima não conduz o homem diretamente ao Paraíso; ela o coloca primeiro num caldeirão quente onde ele é muito bem cozido por um certo tempo.”
FRANZ, Marie-Louise von. A interpretação dos contos de fadas. São Paulo: Paulus, 2022, pág.121.