A amargura de Freud

“Na realidade, no domínio da experiência psicológica, absolutamente nada desapareceu do caráter premente, angustiante, obsessivo etc. Tanto antes quanto depois, o problema persiste em saber como se porá fim à angústia, à má consciência, à culpabilidade, à coação, à inconsciência, à instintividade ou como escapar disso. Se não for possível consegui-lo partindo do lado claro e idealista, talvez seja possível atingi-lo, partindo do lado obscuro e biológico.

Um detalhe me preocupava particularmente: a amargura de Freud. Já em nosso primeiro encontro isso me chocara. Durante muito tempo não compreendi o motivo, até que percebi o quanto esse estado se relacionava com sua atitude em relação à sexualidade. Certamente, para ele, a sexualidade era numinosa, mas em sua terminologia, em sua teoria a considerava exclusivamente como função biológica. A animação com que falava desse tema permitia concluir que tendências ainda mais profundas ressoavam nele. Em suma: ele queria ensinar — pelo menos é o que me pareceu — que, considerada subjetivamente, a sexualidade engloba também a espiritualidade, ou possui uma significação intrínseca. Mas sua terminologia, demasiado concreta, era muito restrita para poder formular essa ideia. Minha impressão era de que, no fundo, ele trabalhava contra sua própria meta e contra si mesmo. Pois bem: haverá maior amargura do que a de um homem que é seu mais encarniçado inimigo? Citando palavras suas: ele se sentia ameaçado por uma “onda de lodo negro”, ele, aquele que antes de qualquer outro tentara penetrar e tirar a limpo as profundidades negras.

Ora, sem reconhecer esse lado de sua personalidade, era-lhe impossível pôr-se em harmonia consigo mesmo. Era cego em relação ao paradoxo e à ambiguidade dos conteúdos do inconsciente e não sabia que tudo o que dele surge tem um alto e um baixo, um interior e um exterior. Quando se fala apenas do aspecto exterior — é o que Freud fazia —, só se toma em consideração uma das metades e como consequência inevitável nasce uma reação no inconsciente.”

 

JUNG, Carl Gustav. Memórias, sonhos, reflexões. Ed. Nova Fronteira, 2019, Local Kindle 2855-2871.

Sigmund Freud

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