“(…) Aion. Os escritos de Jung sobre o si-mesmo estão disseminados nos volumes e ensaios de suas Obras Completas que foram publicados depois de 1925 (o ano do 50º aniversário de Jung), e desses o mais concentrado no estudo do assunto é o Aion. Essa obra foi publicada em 1951 e, segundo os editores do volume, trata-se de “uma extensa monografia sobre o arquétipo do si-mesmo”. O seu subtítulo, “Estudos sobre o simbolismo do Si-Mesmo”, enfatiza o mesmo ponto. O título do livro é inspirado pela antiga religião do mitraísmo, onde Aion é o nome de um deus que governa o calendário astrológico e, por conseguinte, o próprio tempo. O título sugere, assim, um fator que transcende o contínuo tempo/espaço que rege a consciência do ego.”
“O Si-mesmo está completamente além dos limites da esfera pessoal e, quando se manifesta, se é que isso ocorre, é tão-somente sob a forma de um mitologema religioso; os seus símbolos oscilam entre o máximo e o mínimo. (…) quem quiser realizar essa dificil proeza não só intelectualmente mas também como valor de sentimento, deverá defrontar-se, para o que der e vier, com o animus ou com a anima; a fim de alcançar uma união superior, uma coniunctio oppositorum (unificação dos opostos]. Este é um pré-requisito indispensável para se chegar à integridade.”
Neste ponto do texto, Jung introduz o termo “integridade”, que é equivalente a si-mesmo. Em termos práticos, a integridade resulta quando o si-mesmo é realizado na consciência. De fato, isso não é completamente realizável, uma vez que as polaridades e os opostos que residem no si-mesmo estão gerando cada vez mais material novo a integrar. Não obstante, exercitar e praticar a integridade numa base regular é o método próprio do si-mesmo, a versão de Jung de viver em Tao. “Embora a integridade’ não pareça, à primeira vista, mais do que uma noção abstrata (como a anima e o animus), trata-se, porém, de uma noção empírica, na medida em que é antecipada pela psique por símbolos espontâneos ou autônomos. São esses os símbolos da quaternidade ou das mandalas, que afloram não somente nos sonhos do homem moderno, que os ignora, como também aparecem amplamente difundidos em monumentos históricos de muitos povos e épocas.”
“O si-mesmo, uma entidade não-psicológica transcendente, atua sobre o sistema psíquico para produzir símbolos de integridade, frequentemente como imagens de quaternidade ou mandalas (quadrados e círculos). “O seu significado como símbolos da unidade e da totalidade é corroborado no plano da história e também no plano da psicologia empírica. O que à primeira vista parece uma noção abstrata representa, na realidade, algo que existe e pode ser conhecido por experiência, que demonstra espontaneamente sua presença aprioristica. A integridade constitui, portanto, um fator objetivo que se defronta com o sujeito independentemente dele.”
“No nível que se lhe segue de imediato está a sombra e, acima desta, anima/animus – a Sizigia – representa uma autoridade e um poder superiores. Presidindo a todo o “governo psíquico está o si-mesmo, a autoridade suprema e o mais alto valor: unidade e totalidade situam-se no ponto supremo da escala de valores objetivos porque os seus símbolos já não podem ser distinguidos da imago Dei” Sustenta Jung que cada um de nós traz dentro de si a imagem de Deus o cunho do si-mesmo. Ostentamos a marca do arquétipo: typos significa um cunho impresso numa moeda, e arehe significa a matriz ou espécime original. Assim, cada individuo humano é portador de uma impressão do arquétipo do si-mesmo. Este é inato e dado.
Uma vez que cada um de nós está cunhado com a imago Dei por virtude de ser humano, também estamos em contato com a “unidade e totalidade que se situa no ponto supremo da escala de valores objetivos”. Sempre que necessário, esse conhecimento intuitivo pode acudir em nossa ajuda: “Mostra-nos a experiência que as mandalas individuais são símbolos de ordem, sendo essa a razão por que ocorrem nos pacientes sobretudo em épocas de desorientação ou reorientação psíquicas. “Quando as pessoas desenham espontaneamente ou sonham a respeito de mandalas, isso sugere ao terapeuta que existe uma crise psicológica na consciência. O aparecimento de simbolos do si-mesmo significa que a psique necessita ser unificada. Essa foi a experiência do próprio Jung. Durante o seu periodo de maior desorientação, ele começou a desenhar espontaneamente mandalas. O si-mesmo gera símbolos compensatórios de integração quando o sistema psíquico corre o perigo de se fragmentar. Esse é o ponto em que intervém o arquétipo do si-mesmo num esforço para unificá-la.
“A tarefa do si-mesmo parece ser a de manter o sistema psíquico unido e em equilíbrio. A sua meta é a unidade. Essa unidade não é estática mas dinâmica, como veremos no próximo capítulo sobre individuação. O sistema psíquico é unificado na medida em que se torna mais equilibrado, correlacionado e integrado. A influência do si-mesmo sobre a psique como um todo é refletida pela influência do ego sobre a consciência.”
“Jung, porém, quis insistir em que tinha descoberto algo psicoide algo parecido com a psique mas que não era estritamente só psíquico -que existe num domínio além da própria psique, algo que afeta o sistema psíquico através de suas imagens, conteúdos mentais e ideias mitológicas, assim como através de experiências reveladoras Moisés na sarça ardente ou recebendo a Lei no Monte Sinai-, mas que não é um produto do ego ou de construções sociais.”
Stein, Murray. Jung, O Mapa da Alma – Uma introdução. Ed. Cultrix, 2020, Local Kindle 3880-3975.
7. O Centro transcendente e a integridade da psique (A Definição de Jung do Si mesmo)