As manifestações dos arquétipos

“Mediante o esforço de mostrar as limitações da psique, não quero de forma alguma sugerir que existe somente a psique. Mas quando e na medida em que se trata de percepção e de conhecimento, não temos meios de ver além da psique.

(…) nunca acreditei que nossas percepções pudessem apreender todas as formas de existência. Por isso estabeleci o postulado de que o fenômeno das configurações arquetípicas — acontecimentos psíquicos por excelência — repousa sobre a existência de uma base psicoide, isto é, condicionalmente psíquica, mas ligado a outras formas de ser. Por falta de elementos empíricos, não conheço as formas de existência que são correntemente designadas pelo termo “espiritual”. Do ponto de vista da ciência, não é importante o que eu possa crer a esse respeito. Devo reconhecer minha ignorância. Mas na medida em que os arquétipos se revelam eficazes, são para mim efetivos, se bem que eu não saiba em que consistem realmente. É verdade que isso é válido não só em relação a eles, mas à natureza mesma da psique. De qualquer modo que se exprima, ela nunca poderá ir além de si mesma. Toda a compreensão e tudo o que se compreendeu é fenômeno psíquico, e nessa medida encontramo-nos desesperadamente fechados num mundo unicamente psíquico. No entanto, temos muitos motivos para supor como existente, além desse véu, o objeto absoluto mas incompreendido que nos condiciona e nos influencia, mesmo nos casos em que é impossível qualquer constatação concreta (…)

Como o arquétipo não é simplesmente uma forma inativa, mas dotado de uma energia específica, pode ser considerado como a causa eficiente de tais constatações e compreendido como o sujeito que as determina. Em outras palavras: não é o homem, enquanto pessoa, que faz a constatação, mas o arquétipo que se exprime através dele. Se essa expressão é sufocada ou se não é levada em conta aparecem manifestações psíquicas de carência, tal como o demonstra a experiência médica e mesmo um simples conhecimento habitual dos homens. No nível individual aparecerão sintomas neuróticos; quando se trata de indivíduos incapazes de uma neurose, nascerão edificações delirantes coletivas.

As manifestações dos arquétipos repousam sobre precondicionamentos instintivos e nada têm a ver com a razão; além de não serem fundadas racionalmente, não podem ser afastadas por uma argumentação racional. Foram e são desde sempre partes da imagem do mundo, “representações coletivas”, tal como Levy-Bruhl acertadamente as chamou (…)  o que o eu quer é contrabalançado pela autonomia e numinosidade dos processos arquetípicos.

 

JUNG, Carl Gustav. Memórias, sonhos, reflexões. Ed. Nova Fronteira, 2019, Local Kindle 6308-6342.

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