As relações com o Self

Hoje em dia, um número cada vez maior de pessoas, sobretudo as que vivem nas grandes cidades, sofre de uma terrível sensação de vazio e tédio, como se estivesse à espera de algo que nunca acontece. Cinema, televisão, espetáculos esportivos e agitações políticas podem distraí-las por algum tempo mas, exaustas e desencantadas, acabam sempre voltando ao deserto de suas próprias vidas.

A única aventura ainda válida para o homem moderno está no reino interior da sua psique inconsciente. Com uma ideia vaga e indefinida desse conceito, algumas pessoas voltam-se para a ioga e para outras práticas orientais que não chegam a oferecer uma aventura genuinamente nova, pois são velhos exercícios espirituais já do conhecimento dos hindus ou dos chineses que não entram em contato direto com o nosso centro interior de vida. Apesar de esses métodos orientais favorecerem a concentração mental encaminhando-a para o nosso íntimo (sendo esse procedimento, num certo sentido, semelhante à introversão no tratamento analítico), existe uma diferença muito importante. Jung desenvolveu uma maneira de chegar ao nosso centro interior e de entrar em contato com o mistério vivo do nosso inconsciente desacompanhado e sem qualquer auxílio. 

A tentativa para darmos à realidade viva do self uma porção de atenção cotidiana constante é como tentar viver simultaneamente em dois planos ou em dois mundos diferentes. Ocupamo-nos com as nossas tarefas exteriores, mas ao mesmo tempo mantemo-nos alertas às insinuações e sinais, tanto dos sonhos quanto dos acontecimentos exteriores que o self utiliza para simbolizar suas intenções a direção para onde se move o fluxo da vida.

Assim, durante a nossa vida exterior cotidiana, de repente se é envolvido em uma empolgante aventura interior; e pelo fato de ser única para cada indivíduo, não pode ser copiada ou roubada.

Há duas razões principais que fazem o homem perder contato com o centro regulador da sua alma. Uma delas é algum impulso instintivo ou imagem emocional que, levando-o a uma unilateralidade, o faz perder o equilíbrio. Isso acontece também com os animais; por exemplo, um cervo sexualmente excitado esquecerá por completo a sua fome e a sua segurança. E essa unilateralidade e consequente perda de equilíbrio são muito temidos pelos povos primitivos, que se referem a isso como a “perda da alma”. Outra ameaça ao equilíbrio interior vem do devaneio excessivo que, em geral, volteia secretamente ao redor de certos complexos. De fato, os devaneios surgem exatamente porque relacionam o homem com os seus complexos; ao mesmo tempo ameaçam a concentração e a continuidade da sua consciência.

O segundo obstáculo é exatamente o oposto, e deve-se a uma consolidação excessiva da consciência do ego. Apesar de uma consciência disciplinada ser indispensável à realização de atividades civilizadas (sabemos o que acontece quando um sinaleiro de uma estrada de ferro se entrega a devaneios), há também a séria desvantagem de ela se tornar um obstáculo à recepção de impulsos e imagens vindos do centro psíquico. É por isso que muitos sonhos dos homens civilizados cuidam com tanta frequência de restaurar essa receptividade, tentando corrigir a atitude da consciência em relação ao centro inconsciente do self.

Entre as representações mitológicas do self quase sempre encontramos a imagem dos quatro cantos do mundo e muitas vezes o Grande Homem, representado no centro de um círculo dividido em quatro. Jung usou a palavra de origem hindu mandala (círculo mágico) para designar esse tipo de estrutura, que é uma representação simbólica do “átomo nuclear” da psique humana cuja essência não conhecemos. É interessante observar que o caçador naskapi não representa pictoricamente o seu Grande Homem como um ser humano, mas como uma mandala.

(….) Usualmente, formas quadrilateras simbolizam uma realização consciente da totalidade interior, ela é representada, na maioria das vezes, em forma circular, como a mesa redonda, que também aparece no sonho. (…) O Graal simboliza a totalidade interior, sempre tão buscada pelos homens.

(…) O alvo supremo de tal busca é a formação de um relacionamento harmonioso e equilibrado com o self. A mandala circular retrata esse equilibrio perfeito encarnado na estrutura da moderna catedral (abaixo) de Brasília.”

 

JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus símbolos. Ed. Harper Collins, 2016, Pág 282-285.

III O processo de individuação

M.-L. Von Franz

Gostei e vejo sentido em compartlhar essa ideiA

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