Termino da Explicação

“Quando tudo repousava num profundo silêncio, e a noite estava no meio do seu curso, a tua palavra toda poderosa, baixando lá do Céu, dos teus reais assentos, de improviso saltou no meio da terra” (Sab 18, 14-15).”

CRUZ, São João da. A noite escura da Alma. Editora Família Católica, 2018, versão Kindle, Posição: 2654.

Como o demônio não pode entrar

“Daí procede andar a alma escondida e livre, não só das suas potências, que não mais podem impedi-la com sua fraqueza natural, mas também do demônio; porque este inimigo, só por meio dessas potências sensitivas, pode alcançar e conhecer o que há na alma, ou o que nela se passa. Assim, quanto mais espiritual, interior e remota dos sentidos é a comunicação, tanto menos o demônio consegue entendê-la.

É, pois, muito importante para a segurança da alma que suas relações íntimas com Deus sejam de tal modo, que seus mesmos sentidos da parte inferior fiquem às escuras, privados deles, e não as percebam; primeiramente, para que a comunicação possa ser mais abundante, não impedindo a fraqueza da parte sensitiva à liberdade do espírito; depois, para que, conforme dissemos, vá a alma com mais segurança, não a alcançando o demônio, em tão íntimo recesso.

Sem dúvida, muitas vezes acontece à alma receber estas comunicações espirituais, sobremaneira íntimas e secretas, sem que o demônio chegue a conhecer quais são e como se passam; contudo pela grande pausa e silêncio causador nos sentidos e potências da parte sensitiva por algumas dessas comunicações, bem pode o inimigo perceber que existem, e que a alma recebe alguma graça de escol. Como ele vê que não consegue contradizê-la, pois tais coisas se passam no fundo da alma, procura por todos os meios alvoroçar e perturbar a parte sensitiva que está ao seu alcance. Provoca, então, aí, dores, ou aflige com sustos e receios, a fim de causar inquietação e desassossego na parte superior da alma, onde ela está recebendo e gozando aqueles bens.

Deus, na mesma medida e maneira em que vai conduzindo a alma e tratando com ela, permite também ao demônio ir agindo. Se a alma tem visões verdadeiras por meio do bom anjo, como ordinariamente acontece, – pois, embora apareça Cristo, quase nunca o faz em sua própria pessoa, e sim por este meio, – de modo semelhante, com permissão de Deus, o anjo mau lhe representa outras visões falsas no mesmo gênero. E assim, julgando pela aparência, pode a alma, se não tiver cautela, facilmente ser enganada, como já aconteceu a muitas.

Torna-se precisa, contudo, uma observação: quando o anjo bom permite ao demônio a vantagem de atingir a alma com este espiritual terror, visa purificá-la e dispô-la, com esta vigília espiritual, para alguma festa e mercê sobrenatural que lhe quer conceder Aquele que nunca mortifica senão para dar vida, e jamais humilha senão para exaltar. E isto se realiza pouco depois; a alma, na medida em que sofreu aquela purificação tenebrosa e horrível, goza, a seguir, de admirável e saborosa contemplação espiritual, por vezes tão sublime que não há linguagem para traduzi-la.

Quando Deus, porém, visita por Si mesmo à alma, então se realiza plenamente o verso já citado; porque de modo total, “às escuras, velada”, sem que a veja o demônio, recebe as mercês espirituais de Deus. A razão disto é a morada substancial de Sua Majestade na alma, onde nem o Anjo nem o demônio podem chegar a entender o que se passa. Consequentemente, não podem conhecer as íntimas e secretas comunicações que há entre ela e Deus.”

CRUZ, São João da. A noite escura da Alma. Editora Família Católica, 2018, versão Kindle, Posição: 2514-2595.

Terceiro Verso da canção segunda

“Alcançando a liberdade de espírito, tão preciosa e desejada por todos, passou a alma das coisas baixas para as elevadas. Transformou-se de terrestre em celestial, e, de humana que era, fez-se divina, tendo agora sua moradia nos Céus, como sucede à alma neste estado de perfeição.”

CRUZ, São João da. A noite escura da Alma. Editora Família Católica, 2018, versão Kindle, Posição: 2492.

Disfarce da Alma

“Assim, a libré que veste compõe-se de três cores principais: branca, verde e vermelha. Nestas cores são significadas as três virtudes teologais, fé, esperança e caridade (…)

São elas convenientíssima disposição para se unir com Deus segundo suas três potências, entendimento, memória e vontade. A fé esvazia e obscurece o entendimento de todos os seus conhecimentos naturais, dispondo-o assim à união com a sabedoria divina; a esperança esvazia e afasta a memória de toda posse de criatura, porque, como S. Paulo diz, a esperança tende ao que não se possui (Rom 8, 24), e por isto aparta a memória de tudo quanto pode possuir, a fim de a colocar no que espera. Deste modo, a esperança em Deus só dispõe puramente a memória para a união divina. E, enfim, a caridade, de maneira semelhante, esvazia e aniquila as afeições e apetites da vontade em qualquer coisa que não seja Deus, e os põe só n’Ele.”

Nota pessoal* Virtudes Teologais

CRUZ, São João da. A noite escura da Alma. Editora Família Católica, 2018, versão Kindle, Posição: 2405-2466.

Cinco degraus de amor

“Deste degrau também fala o Profeta Isaías: “Os Santos que esperam em Deus adquirirão sempre novas forças, terão asas como as da águia. Voarão e não desfalecerão” (Is 40, 31).

Assim o declara São João: “Sabemos que seremos semelhantes a Ele” (1 Jo 3, 2). Não significa que a alma terá a mesma capacidade de Deus, pois isto é impossível; mas que todo o seu ser se fará semelhante a Deus, e deste modo poderá chamar-se, e na realidade será, Deus por participação.”

CRUZ, São João da. A noite escura da Alma. Editora Família Católica, 2018, versão Kindle, Posição: 2337-2376.

Sabedoria secreta

“(…) diremos que a principal propriedade para chamar-se secreta é por ser a contemplação ciência de amor, a qual, como já dissemos, é conhecimento amoroso e infuso de Deus. Este conhecimento vai ao mesmo tempo ilustrando e enamorando a alma, até elevá-la, de grau em grau, a Deus, seu Criador; pois, unicamente o Amor é que une e junta a alma com Deus.”

CRUZ, São João da. A noite escura da Alma. Editora Família Católica, 2018, versão Kindle, Posição: 2251.

Contemplação obscura

“(…) mais tarde, na iluminação, quando mais claramente lhe é comunicada esta sabedoria, é tão secreta, que se torna impossível à alma expressá-la, ou encontrar palavra para defini-la. Além de não sentir vontade de o dizer, não acha modo, maneira ou semelhança que quadre para poder significar conhecimento tão subido, e tão delicado sentimento espiritual. Mesmo se tivesse desejo de descrevê-lo, por mais comparações que fizesse, sempre permaneceria secreto e por dizer.

Aquilo, porém, que se passa no íntimo, é impossível exprimir, nem conseguirão, a não ser em termos gerais, semelhantes aos que empregamos. É muito diferente quando as almas recebem graças particulares de visões, sentimentos, etc. Tais graças, ordinariamente, são concedidas sob alguma forma sensível, da qual participa o sentido; assim é possível, segundo essa forma, ou outra semelhante, manifestarem as almas o que recebem.

Parece-lhe, então, que a colocam numa profundíssima e vastíssima solidão, onde é impossível penetrar qualquer criatura humana. É como se fosse um imenso deserto, sem limite por parte alguma, e tanto mais delicioso, saboroso e amoroso, quanto mais profundo, vasto e solitário.”

CRUZ, São João da. A noite escura da Alma. Editora Família Católica, 2018, versão Kindle, Posição: 2145-2181.

Caminhando nas trevas

“Os apetites sensitivos e espirituais permanecem, então, adormecidos e mortificados, sem poder saborear coisa alguma, nem divina nem humana. As afeições da alma, oprimidas e angustiadas, não conseguem mover-se para ela, nem achar arrimo em nada. A imaginação fica atada, na impossibilidade de discorrer sobre qualquer coisa boa; a memória, acabada; o entendimento nas trevas, nada compreende; enfim, a vontade, também seca na afeição, e todas as potências vazias e inúteis. Acima de tudo isto, sente a alma sobre si uma espessa e pesada nuvem, que a mantém angustiada e como afastada de Deus. Caminhando assim “às escuras”, é que declara ir “segura”.

E não somente se livra de si mesma, mas também dos outros inimigos, que são o mundo e o demônio, os quais, encontrando adormecidas as afeições e atividades da alma, não lhe podem fazer guerra por outro meio nem por outra parte.   3. Daí se colhe o seguinte: quanto mais a alma vai às escuras e privada de suas operações naturais, tanto mais segura vai.”

CRUZ, São João da. A noite escura da Alma. Editora Família Católica, 2018, versão Kindle, Posição: 1999-2009.

Noite Escura da contemplação

“Deriva-se esta inteligência mística ao entendimento, enquanto a vontade permanece na secura, a saber, sem união atual de amor; e causa uma paz e simplicidade tão fina e deleitosa à mesma alma que não é possível expressar,

Tal é a condição do amor em sua força e veemência: tudo lhe parece possível, e imagina que todos andam ocupados naquilo mesmo que o ocupa. Não admite que haja outra coisa em que pessoa alguma possa cuidar, ou procurar, senão o objeto a quem ele ama e procura.

(…) o amor já lhe vai dando forças para amar deveras; ora, é próprio do amor tender à união, à junção, à igualdade e à assimilação ao objeto amado, para aperfeiçoar-se no bem do mesmo amor. Por consequência, não tendo ainda a alma chegado à perfeição do amor, pois não a atingiu a união, sente fome e sede do que lhe falta, isto é, da união; e essa fome e sede, junto com as forças que o amor pôs na vontade, apaixonando-a, tornam a alma ousada e atrevida, pela inflamação que sente na vontade.

As trevas e demais penas que a alma sente quando esta divina luz investe não são trevas e penas provenientes da luz, e sim da própria alma; a luz apenas esclarece para que sejam vistas. Desde o princípio, portanto, esta divina luz ilumina, mas a alma tem de ver primeiro o que lhe está mais próximo, ou por melhor dizer, o que tem em si mesma, isto é, suas trevas e misérias, as quais vê agora pela misericórdia de Deus. Antes não as via, porque não lhe era infundida essa luz sobrenatural.”

CRUZ, São João da. A noite escura da Alma. Editora Família Católica, 2018, versão Kindle, Posição: 1830-1907.