“A apreciação moral baseia-se sempre no código de costumes, que parece seguro e nos instiga a discernir o bem do mal. Mas quando sabemos como essa base é frágil, a decisão ética torna-se um ato criador subjetivo, sobre o que não podemos estar certos — senão Deo concedente (com a graça de Deus) —, e isso quer dizer que necessitamos de um impulso espontâneo e decisivo que emana do inconsciente. A ética, o ato de decidir entre o bem e o mal, não está implicada em seu princípio; apenas se tornou mais difícil para nós. Nada pode poupar-nos do tormento da decisão ética. Mas por mais rude que isso possa parecer, é necessário, em certas circunstâncias, ter a liberdade de evitar o que é reconhecido como moralmente bom, e fazer o que é estigmatizado como mal, se a decisão ética o exigir. Em outras palavras: é necessário não sucumbir a qualquer um dos dois termos opostos.
(…)
O indivíduo, porém, é, em regra geral, de tal modo inconsciente, que não percebe suas possibilidades de decisão; por isso procura ansiosamente as regras e as leis exteriores às quais possa ater-se nos momentos de perplexidade. Abstração feita das insuficiências humanas, a educação é em grande parte a culpada por esse estado de coisas: ela procura suas normas exclusivamente no que é normal, e nunca se refere à experiência pessoal do indivíduo. Ensina-se frequentemente um idealismo que não pode ser satisfeito, e as pessoas que o defendem são conscientes de que nunca os viveram nem jamais os viverão.
(…)
Não podemos ter preconceitos em relação ao inconsciente, pois é impossível abranger sua natureza pelo conhecimento, nem demarcar suas fronteiras racionais. Só podemos chegar ao conhecimento da natureza mediante uma ciência que amplie o consciente, e é por isso que um conhecimento aprofundado de si mesmo requer uma ciência: a psicologia.
Atualmente, necessitamos da psicologia por razões vitais. Estamos perplexos, aturdidos e desorientados diante dos fenômenos do nacional-socialismo e do bolchevismo, pelo fato de que nada sabemos do homem, ou porque vemos apenas a metade banal e deformada de sua imagem. Se tivéssemos um certo conhecimento de nós mesmos, o caso seria outro.”
JUNG, Carl Gustav. Memórias, sonhos, reflexões. Ed. Nova Fronteira, 2019, Local Kindle 5908-5935.
Últimos pensamentos I