Continuação no “além”

“O que experimento como resultante das vidas de meus antepassados, ou como carma adquirido numa vida anterior pessoal poderia, do mesmo modo, ser perfeitamente um arquétipo impessoal que hoje mantém em suspenso o mundo inteiro e que particularmente me tomou por exemplo, o desenvolvimento secular da tríade divina e sua confrontação com o princípio feminino, ou a resposta, ainda por encontrar, à questão dos gnósticos sobre a origem do mal; em outros termos, o inacabado da imagem cristã de Deus.

Penso também numa outra possibilidade: através de um ato individual poderá surgir uma questão no mundo, cuja resposta irá constituir uma nova exigência. Por exemplo: as questões que levanto e as respostas que procuro dar a elas podem não ser satisfatórias. Nestas condições, alguém que tenha o meu carma — talvez eu mesmo — deverá então renascer para fornecer uma resposta mais completa. Por este motivo, poderei imaginar que não tornarei a nascer enquanto o mundo não sentir necessidade de uma nova resposta e, enquanto isso, terei alguns séculos de repouso, até que haja de novo necessidade de que alguém se interesse por esse gênero de coisas. Poderei então retomar de novo a tarefa, com proveito. Sinto que agora poderá ocorrer um período de calma, até que a obra realizada seja assimilada.

(…)

Uma crença prova apenas a existência do “fenômeno da crença”, mas de nenhuma forma a realidade de seu conteúdo.

Até estes últimos anos, embora tivesse tido toda a atenção, não cheguei a descobrir absolutamente nada de convincente neste campo. Mas recentemente observei em mim mesmo uma série de sonhos que, com toda a probabilidade, descrevem o processo da reencarnação de um morto de minhas relações. Era mesmo possível seguir, como uma probabilidade não totalmente negligenciável, certos aspectos dessa reencarnação até a realidade empírica. Mas como nunca mais tive ocasião de encontrar ou tomar conhecimento de algo semelhante, fiquei sem a menor possibilidade de estabelecer uma comparação. Minha observação é, pois, subjetiva e isolada. Quero somente mencionar sua existência, mas não o seu conteúdo. Devo confessar, no entanto, que a partir dessa experiência observo com maior boa vontade o problema da reencarnação, sem no entanto defender com segurança uma opinião precisa.

Se admitirmos que há uma continuação no “além”, só poderemos conceber um modo de existência que seja psíquico, pois a vida da psique não tem necessidade de espaço ou tempo. A existência psíquica — e sobretudo as imagens interiores de que nos ocupamos desde agora — oferece matéria para todas as especulações míticas sobre uma vida no além, e esta eu a represento como um caminhar progressivo através do mundo das imagens. Desse modo a psique poderia ser essa existência na qual se situa o “além” ou o “país dos mortos”. Inconsciente e “país dos mortos” seriam, nessa perspectiva, sinônimos.

(…)

As imagens interiores impedem que nos percamos na retrospectiva pessoal: muitos homens de idade se enredam na lembrança de acontecimentos exteriores, neles se aprisionando; mas se neste olhar para o passado houver reflexão e tradução em imagens, poderá ser um reculer pour mieux sauter: procuro ver a linha que conduziu minha vida no mundo e que a conduz de novo para fora deste mundo.”

 

JUNG, Carl Gustav. Memórias, sonhos, reflexões. Ed. Nova Fronteira, 2019, Local Kindle 5725-5757.

Sobre a vida depois da morte

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