Cristais e pedras: a pedra filosofal

Em muitos sonhos, o núcleo central- o self -também aparece como um cristal. A constituição de precisão matemática de um cristal desperta em nós o sentimento intuitivo de que mesmo na matéria dita “inanimada” existe um princípio de ordenação espiritual em funcionamento.

Talvez cristais e pedras sejam símbolos do self tão adequados devido à “exatidão” da sua natureza. Muitas pessoas não resistem ao impulso de apanhar pedras de cor ou forma incomuns para guardá-las, sem saber por que o fazem. É como se as pedras contivessem um mistério vivo que as fascina. Os homens colecionam pedras desde o início dos tempos, e aparentemente admitiram que algumas delas são receptáculos de força vital, com todo o seu consequente mistério. Os antigos germânicos, por exemplo, acreditavam que os espíritos dos mortos continuavam a existir nas lápides dos seus túmulos. O costume de colocar pedras sobre os túmulos deve ter surgido da ideia simbólica de que algo eterno do morto subsiste, e encontra nas pedras a sua representação mais adequada. Porque apesar de o homem ser, tanto quanto possível, diferente da pedra, o seu centro mais íntimo é, de uma maneira estranha e muito especial, bastante semelhante a ela (talvez porque a pedra simbolize a existência pura, estando o máximo possível distanciada de emoções, sentimentos, fantasias e do pensamento discursivo do nosso ego consciente). Nesse sentido, a pedra simboliza a experiência talvez mais simples e mais profunda, a experiência de algo eterno que o homem conhece naqueles fugazes instantes em que se sente inalterável e imortal.

Os alquimistas medievais que buscavam com um método pré-científico o segredo da matéria, na esperança de assim encontrar Deus, ou ao menos alguma ação divina, julgavam que esse segredo estaria encerrado na famosa “pedra filosofal”. No entanto, alguns deles tiveram a vaga intuição de que a sua tão almejada pedra simbolizava algo que só se poderia encontrar na psique do homem Disse Morienus, um velho alquimista árabe: “Essa coisa (a pedra filosofal) é extraída de vós, vós sois o seu minério e é em vós que se pode encontrá-la; ou, para falar mais claramente, eles (os alquimistas) a tiram de vós. Se reconhecerdes isso, o amor e a aprovação da pedra crescerão dentro de vós. Saibam que isso é, indubitavelmente.s uma verdade.

A pedra alquímica (o lápis) simboliza algo que nunca pode ser perdido ou dissolvido, algo de eterno que alguns alquimistas compararam com a experiência mística de Deus dentro de nossas almas. É necessário, em geral, um sofrimento prolongado a fim de consumir todos os elementos psíquicos supérfluos que ocultam a pedra.

O fato de esse símbolo do self, o mais nobre e o mais frequente, ser um objeto inanimado leva ainda a um outro campo de pesquisa e especulação: a relação, ainda desconhecida, entre o que chamamos a psique inconsciente e o que chamamos “matéria” – um mistério que a medicina psicossomática tenta resolver. Estudando essa conexão indefinida e inexplicada (pode ser que “psique” e matéria sejam o mesmo fenômeno, observado respectivamente do “interior” e do “exterior”), o dr. Jung evidenciou um novo conceito que denominou “sincronicidade”. É um termo que significa uma “coincidência significativa” entre acontecimentos exteriores e interiores que não têm, entre si, relação causal imediata. E o importante aqui é a palavra “significativa”.

Se acontece um desastre de avião à minha frente enquanto eu estou assoando o nariz, essa coincidência não tem significação alguma. É apenas um tipo de situação casual que se repete com frequência. Mas se eu comprar uma roupa azul e a loja me entregar uma roupa preta no dia da morte de um parente próximo, isso, sim, será uma coincidência significativa. Os dois acontecimentos não têm uma relação causal, mas estão ligados pela significação simbólica que conferimos à cor preta.

Todas as vezes que o dr. Jung observou tais coincidências significativas na vida de um indivíduo, parece (segundo revelações dos sonhos dessas pessoas) que havia um arquétipo ativado no seu inconsciente. (…) É como se o arquétipo oculto se manifestasse, simultaneamente, em acontecimentos interiores e exteriores. O denominador comum é uma mensagem expressa simbolicamente (…)

Criando o conceito da sincronicidade, o dr. Jung delincou um método para penetrarmos mais profundamente na inter-relação da psique com a matéria. E é precisamente nessa direção que parece apontar o símbolo da pedra. Mas essa é uma questão ainda em aberto, e insuficientemente explorada, que caberá às futuras gerações de psicólogos e fisicos esclarecer.

Pode parecer ao leitor que as minhas observações a respeito da sincronicidade nos tenham afastado do nosso tema principal, mas senti necessidade de fazer ao menos uma breve introdução a esse assunto por ele ser uma hipótese junguiana cheia de futuras possibilidades de pesquisa e aplicação. Acontecimentos “sincronizados”, além de tudo, quase sempre acompanham as fases cruciais do processo de individuação.”

 

JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus símbolos. Ed. Harper Collins, 2016, Pág 278-281.

III O processo de individuação

M.-L. Von Franz

Gostei e vejo sentido em compartlhar essa ideiA

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