“O Espírito Santo significava para mim uma ilustração adequada do Deus inconcebível. Suas ações eram de natureza sublime e, ao mesmo tempo, da espécie estranha e ambígua dos atos de Javé;
Na época eu ainda não tinha consciência de que o Demônio propriamente dito só nascera com o cristianismo. O “Senhor Jesus” era para mim, indubitavelmente, um homem e portanto falível, um simples portador da palavra do Espírito Santo. Esta concepção nada ortodoxa, que se desviara de 90 ou 180 graus da concepção teológica, colidiu naturalmente com uma profunda incompreensão. O desencanto que senti me levou pouco a pouco a uma espécie de desinteresse resignado, robustecendo minha convicção de que só a experiência podia decidir este ponto.
Durante meus primeiros anos de estudo universitário, descobri que as ciências naturais veiculavam uma infinidade de conhecimentos, mas sem grande profundidade e apenas em campos especializados. As leituras filosóficas me ensinaram que no fundo de tudo havia a realidade da psique. Sem a alma, não havia saber nem conhecimento profundo. No entanto, nunca se falava da alma.
No fim do segundo semestre fiz uma descoberta: encontrei na biblioteca do pai de um companheiro de estudos, um historiador da arte, um livrinho dos anos 70 sobre a aparição de espíritos. Tratava-se de um relato a respeito dos primórdios do espiritismo, escrito por um teólogo. Minhas dúvidas iniciais dissiparam-se rapidamente: sem dúvida tratava-se, em princípio, de histórias semelhantes àquelas que desde a minha primeira infância ouvira no campo. O material era indubitavelmente autêntico. Mas a pergunta decisiva sobre a realidade física que essas histórias implicavam não era respondida com clareza. De qualquer modo, constatei que, evidentemente, em todas as épocas nos mais diversos lugares da terra as mesmas histórias eram contadas.
Por mais estranhas e suspeitas que parecessem as observações dos espíritas, nem por isso deixavam de constituir os primeiros relatos sobre os fenômenos psíquicos objetivos. Nomes tais como os de Zoellner e de Crookes me impressionaram e li praticamente todos os livros sobre o espiritismo dessa época.”
JUNG, Carl Gustav. Memórias, sonhos, reflexões. Ed. Nova Fronteira, 2019, Local Kindle 1995-2016.
Anos de estudo