“Jung usou o termo individuação para falar sobre desenvolvimento psicológico, que ele define como o processo de tornar-se uma personalidade unificada mas também única, um indivíduo, uma pessoa indivisa e integrada. A individuação inclui mais do que o projeto realizado idealmente na primeira metade da vida, a saber, o desenvolvimento do ego e da persona. Quando isso é feito, uma outra tarefa começa a surgir, porquanto o desenvolvimento ideal de ego e persona deixou uma considerável soma de material psicológico fora do quadro consciente. A sombra não foi integrada, a anima e o animus permanecem inconscientes e, embora tenha sido útil nos bastidores, o si-mesmo dificilmente foi visto de uma forma direta. Mas agora a questão que se impõe é esta: Como pode uma pessoa realizar a unidade psicológica, no sentido mais amplo do termo, o que pressupõe unir aspectos conscientes e inconscientes da personalidade? É possível fracassar na tarefa de individuação. Uma pessoa pode permanecer dividida, não-integrada, internamente múltipla, até chegar a uma idade avançada, e ainda assim ser tida na conta de alguém que viveu uma vida social e coletivamente bem-sucedida, embora superficial. A profunda unidade interior num nível consciente é, de fato, uma proeza rara, embora seja apoiada, sem dúvida alguma, por um impulso inato muito forte; Jung fala sobre um impulso de individuação que não é primariamente um imperativo biológico mas, antes, de natureza psicológica.”
“O mecanismo psicológico por meio do qual a individuação ocorre, quer o consideremos na primeira ou na segunda metade da vida, é o que Jung chamou de compensação. A relação fundamental entre consciente e inconsciente é compensatória. O crescimento do ego para fora do inconsciente impulsionado por um poderoso instinto para ficar separado do mundo circundante a fim de adaptar-se de um modo mais efetivo ao meio ambiente resulta numa separação entre a consciência do ego e a matriz inconsciente donde provém. A tendência do ego é para tornar-se unilateral e excessivamente confiante em si mesmo. Como já vimos, isso baseia-se no modelo arquetípico do herói. Quando isso acontece, o inconsciente começa a compensar essa unilateralidade. As compensações acontecem classicamente em sonhos. A função de compensação consiste em introduzir equilíbrio no sistema psíquico. Essas compensações são ajustadas precisamente para o momento presente, e o seu timing é estritamente governado pelo que a consciência está ou não está fazendo, pelas atitudes unilaterais e desenvolvimentos da consciência do ego. Com o tempo, entretanto, essas muitas e pequenas compensações cotidianas somam-se e convertem-se em padrões, e esses padrões estabelecem a base da espiral de desenvolvimento para a totalidade a que Jung deu o nome de individuação. (…) O inconsciente compensa a consciência do ego ao longo da vida toda e de muitas maneiras por atos falhos, esquecimentos ou revelações milagrosas; proporcionando acidentes, desastres, ligações amorosas e golpes de sorte; gerando ideias instigadoras e noções levianas que levam ao desastre. No processo contínuo de desdobramento a que Jung chama individuação, a força impulsora é o si-mesmo, e o mecanismo pelo qual emerge na vida consciente do indivíduo é a compensação. Isto é igualmente verdadeiro tanto na primeira metade da vida quanto na segunda.”
“Jung falaria algumas vezes do “regresso às mães”, o que é um modo metafórico de dizer que quando o desenvolvimento do ego atinge o seu clímax na meia-idade, não faz mais sentido continuar perseguindo os mesmos antigos objetivos. De fato, alguns dos objetivos já alcançados são agora questionados como valores fundamentais, e isso leva à reavaliação do que foi realizado e de onde reside um outro e diverso significado. A vida é muito mais do que abrirmos caminho no mundo equipados com um ego e uma persona sólidos e bem-estruturados. O estado de espírito da pessoa de meia-idade reflete a ideia de que, ao chegar aí, o que podia ser feito está feito. E agora o quê? O significado reside alhures e a energia psíquica muda de rumo. A tarefa agora consiste em unificar o ego com o inconsciente, o qual contém a vida não vivida da pessoa e o seu potencial não-realizado. Esse desenvolvimento na segunda metade da vida é o clássico significado junguiano de individuação tornar-se o que a pessoa já é potencialmente, mas agora de um modo mais profundo e mais consciente. Isso requer o poder capacitador de símbolos que erguem e tornam acessíveis conteúdos do inconsciente que estiveram escondidos das vistas. O ego é incapaz de realizar essa unificação mais ampla da personalidade por seus próprios esforços. Necessita da ajuda de um anjo.”
Stein, Murray. Jung, O Mapa da Alma – Uma introdução. Ed. Cultrix, 2020, Local Kindle 4230-4291.
8. O surgimento do si-mesmo (individuação)