Meio árabe

“Só compreendi a verdadeira natureza dessa perturbação alguns anos mais tarde, quando permaneci certo tempo na África Tropical: era a primeira alusão ao going black under the skin, perigo mental geralmente subestimado, que ameaça o europeu desenraizado na África. “Mas lá, onde está o perigo, cresce também a salvação.” Essa frase de Hölderlin volta-me às vezes ao espírito em situações semelhantes. A “salvação” reside na possibilidade que temos de tornar consciente a ação inconsciente, por meio de sonhos de advertência.

(…)esse meio árabe, estranho, totalmente diferente, desperta a lembrança original de uma pré-história, época longínqua tão bem conhecida, e que pensamos ter esquecido completamente. É a lembrança de uma possibilidade de vida ainda existente, mas mascarada pela civilização. Revivê-la em toda espontaneidade equivaleria a uma recaída na “barbárie”. Portanto, preferimos esquecê-la. Mas se ela voltar a nós sob a forma de um conflito, é preciso mantê-la na consciência e confrontar, uma com a outra, as duas possibilidades — a que se vive e a que se esqueceu. Pois se não tivesse havido razões suficientes, o que parece esquecido não se teria manifestado de novo.

Na estrutura psíquica viva, nada se produz de maneira puramente mecânica, tudo se insere na economia do conjunto, um conjunto ao qual se relaciona; tudo responde a uma finalidade e tem um sentido. Mas como a consciência não abarca jamais todo o conjunto, não pode, regra geral, compreender tal sentido. Em primeiro lugar, é preciso se contentar com a constatação dos fatos, e deixar ao futuro e a um exame ulterior o cuidado de encontrar uma resposta à questão de saber o que pode significar esse choque com a “sombra do si mesmo”.

 

JUNG, Carl Gustav. Memórias, sonhos, reflexões. Ed. Nova Fronteira, 2019, Local Kindle 4470-4481.

Viagens | África do Norte

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