“Já sugeri que os sonhos servem a um propósito de compensação. Tal suposição significa que o sonho é um fenômeno psíquico normal, que transmite à consciência reações inconscientes ou impulsos espontâneos. Muitos sonhos podem ser interpretados com o auxilio do sonhador, que providencia tanto as associações quanto o contexto da imagem onírica por meio dos quais podemos explorar todos os seus aspectos.
Esse método convém a todos os casos comuns aqueles em que um parente, um amigo ou um paciente conta um sonho no decorrer de uma conversa. Mas quando é um caso de sonho obsessivo ou de sonhos com grande carga emocional, as associações pessoais produzidas pelo sonhador não são, em regra, suficientes para uma interpretação satisfatória. Em tais casos precisamos levar em conta o fato (primeiramente observado e comentado por Freud) de que num sonho muitas vezes aparecem elementos que não são individuais nem podem fazer parte da experiência pessoal do sonhador. A estes elementos, como já mencionei antes, Freud chamava “residuos arcaicos”: formas mentais cuja presença não encontra explicação alguma na vida do indivíduo e que parecem, antes, formas primitivas e inatas, representando uma herança do espírito humano.
Assim como o nosso corpo é um verdadeiro museu de órgãos, cada um coin a sua longa evolução histórica, devemos esperar encontrar também na mente uma organização análoga. Nossa mente não poderia jamais ser um produto sem história, ao contrário do corpo em que existe.
Assim como o biólogo necessita da anatomia comparada, também o psicólogo não pode prescindir da “anatomia comparada da psique”. Em outros termos, a psicólogo precisa, na prática, ter experiência suficiente não só de sonhos e outras expressões da atividade inconsciente, mas também da mitologia no seu sentido mais amplo.
O meu ponto de vista sobre os “residuos arcaicos”, que chamo de “arquétipos ou “imagens primordiais” (…)
O arquétipo é na realidade, uma tendencia instintiva, tão marcada como o impulso das aves para fazer seu ninho e o das formigas para se organizarem em colônias.
É preciso que eu esclareça aqui a relação entre instinto e arquétipo. Chamamos de instinto os impulsos fisiológicos percebidos pelos sentidos. Mas, ao mesmo tempo, esses instintos podem também manifestar-se como fantasias e revelar, muitas vezes, a sua presença apenas por meio de imagens simbólicas. São essas manifestações que chame de arquétipos. A sua origem não é conhecida; e eles se repetem em qualquer época e em qualquer lugar do mundo mesmo onde não é possível explicar a sua transmissão por descendência direta ou por “fecundações cruzadas” resultantes da migração.”
JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus símbolos. Ed. Harper Collins, 2016, Pág 82-83.
I Chegando ao inconsciente
Carl G. Jung