“O desenvolvimento posterior do mito deveria, sem dúvida, reportar-se ao momento em que o Espírito Santo se revelou aos Apóstolos, fazendo-os filhos de Deus; não somente a eles, mas a todos os que, através deles e depois deles, receberam a filiação — o estado de filho de Deus —, participando assim da certeza de que não eram apenas animalia autóctones, nascidos da terra, mas que, pelo fato de serem “duas vezes nascidos”, se enraizavam na divindade. Sua existência visível, corpórea, era desta terra; mas sua humanidade invisível, interior, tinha origem e futuro na primeira imagem da totalidade, no Pai eterno, tal como se exprime o mito da história cristã da salvação. Assim como o Criador é uma totalidade, Sua criatura, e, consequentemente, Seu filho, deve também ser total. Seria impossível suprimir o que quer que fosse da representação da totalidade divina; mas sem que houvesse consciência daquilo que ocorria, houve uma cisão na totalidade. Um reino de luz e um reino de trevas nascera.
Uma vez que, segundo as premissas dogmáticas do cristianismo, Deus é inteiramente presente em cada uma das três pessoas da Trindade, Ele deve encontrar-Se também, totalmente, em cada uma das partes que recebeu o Espírito Santo. Desse modo, cada ser humano pode participar de Deus em sua totalidade e, assim, à filiação, ao estado de filho de Deus. A complexio oppositorum (complementaridade dos opostos) no seio da imagem de Deus penetra assim no homem, e isso não sob a forma de uma unidade, mas de um conflito, a metade tenebrosa da imagem se chocando com a representação já recebida de que Deus é (…)
É verdade que todos sabem que estamos num ponto de mudança importante das idades, mas a crença é que esse ponto de mudança é suscitado pela fissão ou fusão do átomo, ou pelos foguetes interplanetários. E, como de costume, a cegueira é completa no que diz respeito à alma humana.”
JUNG, Carl Gustav. Memórias, sonhos, reflexões. Ed. Nova Fronteira, 2019, Local Kindle 5966-5991.
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