O encontro da natureza e do espírito

“Comecei pelo prefácio, a fim de descobrir de que maneira um psiquiatra introduz seu tema ou, melhor dizendo, de que forma justifica a própria existência. Para escusar-me dessa presunção devo lembrar que no mundo médico dessa época a psiquiatria era pouco prestigiada. Ninguém sabia grande coisa a seu respeito; não havia também uma psicologia que tivesse considerado o homem como uma totalidade e englobado suas particularidades patológicas, numa visão de conjunto. O diretor do asilo ficava fechado com seus doentes no mesmo estabelecimento, e este também se fechava em si mesmo, isolado e fora da cidade, como um velho lazareto de leprosos incuráveis. Ninguém gostava de olhar nessa direção. Os médicos sabiam pouco mais do que os leigos e, no entanto, partilhavam de seus sentimentos. A doença mental era considerada como um mal desesperado e fatal e esta sombra se projetava na psiquiatria. O psiquiatra — eu logo o saberia por experiência própria — era um personagem estranho. Li então no prefácio: “Sem dúvida, é devido à particularidade desse domínio da ciência e à imperfeição de seu desenvolvimento, que os manuais de psiquiatria têm sempre um caráter mais ou menos subjetivo.” Algumas linhas adiante, o autor denominava as psicoses “doenças da personalidade”. De repente, meu coração pôs-se a bater com violência. Precisei levantar-me para tomar fôlego. Uma emoção intensa tinha se apoderado de mim: num relance, como que através de uma iluminação, compreendi que não poderia ter outra meta a não ser a psiquiatria. Somente nela poderiam confluir os dois rios do meu interesse, cavando seu leito num único percurso. Lá estava o campo comum da experiência dos dados biológicos e dos dados espirituais, que até então eu buscara inutilmente. Tratava-se, enfim, do lugar em que o encontro da natureza e do espírito se torna realidade.”

 

JUNG, Carl Gustav. Memórias, sonhos, reflexões. Ed. Nova Fronteira, 2019, Local Kindle 2162.

Anos de estudo

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