Oferecer-se em sacrifício

“Sem a consciência reflexiva do homem, o mundo seria totalmente desprovido de sentido, pois o homem, de acordo com nossa experiência, é o único ser que pode constatar o fato do “sentido”.

Quantos riscos, quantos acasos os lêmures, habitantes das árvores, não tiveram de superar para chegar ao estado de homem, no curso de uma evolução que se desenvolveu através de milhões de anos; isto ultrapassa qualquer imaginação! Sem dúvida, através deste caos e destes acasos, fenômenos sincronísticos estavam se processando e, face às leis conhecidas da natureza e com seu apoio, puderam eles realizar, em momentos arquetípicos, sínteses que nos parecem prodigiosas. Aqui, causalidade e teleologia são insuficientes, visto que os fenômenos sincronísticos se comportam como o acaso.

Existe, pois, sempre o risco de se atribuir um sentido ao que não o possui de forma alguma. Necessitamos de experiências sincronísticas para justificar a hipótese de um sentido latente, que seja independente da consciência.

Se, pelo contrário, se atribui ao Criador o sentido latente como plano consciente da Criação, coloca-se então a seguinte questão: por que o Criador deveria organizar todo este fenômeno do universo, desde que Ele já sabe onde poderia refletir-se, e por que deveria Ele, ademais, refletir-se, se já é consciente de si mesmo? Por que teria Ele criado, ao lado de sua onisciência, uma segunda consciência inferior, de certo modo milhares de pequenos espelhos turvos dos quais Ele conhece antecipadamente a imagem que Lhe podem ser devolvidas? Todas estas reflexões levaram-me a concluir que não apenas o homem foi criado à imagem de Deus, como também, inversamente, o Criador foi criado à imagem do homem: Ele é semelhante ou igual ao homem, isto é, é tão inconsciente quanto ele, ou ainda mais, visto que, de acordo com o mito da Encarnação, sente-se levado a tornar-se homem e a ele oferecer-se em sacrifício…”

 

JUNG, Carl Gustav. Memórias, sonhos, reflexões. Ed. Nova Fronteira, 2019, Local Kindle 6724-6740.

Trechos de uma carta a um colega

Gostei e vejo sentido em compartlhar essa ideiA

Facebook
Twitter
Pinterest

QUER MAIS?

Si mesmo

“SI MESMO — É o arquétipo central da ordem, da totalidade do homem, representado simbolicamente

Leia mais

Psicoide

“PSICOIDE — “Semelhante à alma”, “quase psíquica”. Assim Jung caracteriza a camada profundíssima do inconsciente

Leia mais