Orfeu e o filho do homem

“Os cultos dionisíacos contém ritos orgiásticos que implicam a necessidade de o iniciado abandonar-se à sua natureza animal e, assim, experimentar em sua plenitude o poder fertilizante da Mãe Terra. O agente de iniciação a este “rito de passagem” do culto a Dionisio era o vinho: ele deveria produzir o enfraquecimento simbólico da consciência, necessário para a introdução do noviço nos segredos da natureza egoistamente guardados, cuja essência se exprimia por meio de um símbolo de realização erótica: o deus Dionísio unido a Ariadne, sua companheira, numa cerimônia matrimonial religiosa.

Havia, no entanto, uma importante diferença entre a religião de Orfeu e a de Cristo, Apesar de exaltados em uma forma mística, os mistérios de Orfeu conservavam viva a velha religião de Dionísio. O seu ímpeto espiritual vinha de um semideus no qual estava preservada a mais significativa qualidade de uma religião cujas raízes vinham da arte agrícola. Tal qualidade se traduzia no antigo esquema dos deuses da fertilidade, que apareciam apenas em determinadas estações do ano em outras palavras, no ciclo eternamente recomeçado do nascimento, crescimento, maturidade e declínio.

O rito que mais se conservou é que ainda guarda, para os devotos católicos, sentido essencial dos mistérios da iniciação é a elevação do cálice. Esse ritual foi descrito pelo dr. Jung no seu O símbolo da transformação na missa:”A elevação do cálice  prepara a espiritualização (…) do vinho. Isso é confirmado pela invocação do Espírito Santo, que se segue imediatamente. (…) A invocação serve para fazer penetrar no vinho o Espírito Santo, pois é Ele quem gera, consuma e transforma. (…) Após a elevação, colocava-se, antigamente, o cálice à direita da hóstia, em lembrança do sangue que se derramara do flanco direito de Cristo.”

Ao contrário desse exame retrospectivo, concentrado no eterno ciclo de nascimento e morte da natureza, o mistério cristão acena ao iniciado no futuro, com a esperança suprema de união com um deus transcendente. A Mãe Natureza, com todas as suas belas transformações sazonais, foi abandonada, enquanto a principal figura do cristianismo oferece uma grande segurança espiritual, já que é o Filho de Deus no céu.

No entanto, essas duas divindades, de um certo modo, se fundem na figura de Orfeu, o deus que lembra Dionísio mas que espera por Cristo.”

 

JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus símbolos. Ed. Harper Collins, 2016, Pág 184-186.

II Os Mitos antigos e o homem moderno

Joseph L. Henderson

Gostei e vejo sentido em compartlhar essa ideiA

Facebook
Twitter
Pinterest

QUER MAIS?

Introversão

“INTROVERSÃO — Atitude típica que se caracteriza por uma concentração do interesse nos conteúdos intrapsíquicos.

Leia mais

Inflação

“INFLAÇÃO — Expansão da personalidade além de seus próprios limites, pela identificação com um arquétipo

Leia mais