Quatro funções da consciência

“Já vimos que a estrutura simbólica que parece representar o processo de individuação tende a basear-se no motivo do algarismo quatro – como as quatro funções da consciência e os quatro estágios da anima ou do animus. (…) As manifestações naturais e livres do centro psíquico caracterizam-se pela quaternidade isto é, por quatro divisões, ou qualquer outra estrutura derivada da série numérica de 4, 8, 16 etc. O número 16 tem uma função importante, já que é composto de quatro vezes quatro.

(…) Segundo uma lenda judaíca, ao criar Adão, Deus apanhou, inicialmente, dos quatro cantos do mundo, pó vermelho, preto, branco e amarelo, e assim Adão “se estendia de uma ponta à outra da Terra”. Quando se inclinava, sua cabeça ficava no leste e os pés no oeste. De acordo com uma outra tradição judaica, a humanidade inteira estava contida, desde o seu início, em Adão, o que significa que nele se encontravam todas as almas por nascer. A alma de Adão, portanto, era “como o pavio de uma lamparina, composto de incontáveis fios”. Nesse símbolo está claramente expressa a ideia de uma unidade total da existência humana, além de qualquer unidade individual.

Na antiga Pérsia, o mesmo Primeiro Homem chamado Gayomart – era descrito como uma figura imensa, que irradiava luz. Quando morreu, todas as qualidades de um metal irromperam do seu corpo, e da sua alma surgiu o ouro. Seu semen caiu sobre a terra e dele nasceu o primeiro casal humano, na forma de dois pés de ruibarbo. É espantoso que o chinês P’an Ku também tenha sido representado coberto de folhas, como se fosse uma planta. Talvez porque se concebesse a ideia do Primeiro Homem como uma unidade viva que nascera sozinha e que existia sem qualquer impulso animal ou vontade própria.

No Oriente e em alguns círculos gnósticos do Ocidente, as pessoas logo compreenderam que o Homem Cósmico é mais uma imagem psíquica interior do que uma realidade concreta exterior. De acordo com a tradição hindu, por exemplo, ele é algo que vive dentro do ser humano, sendo a sua única parte imortal Esse Grande Homem interior age como um redentor, retirando o indivíduo do mundo e de seus sofrimentos para levá-lo de volta à sua esfera eterna original. Mas só pode fazê-lo quando o homem o reconhece e levanta-se do seu sono para segui-lo. Nos mitos simbólicos da India Antiga essa figura é conhecida como Purusha, que significa simplesmente “homem” ou “pessoa”. Purusha vive dentro do coração de cada individuo e ocupa, ao mesmo tempo, todo o cosmos.

De acordo com vários mitos, o Homem Cósmico não significa apenas o começ da vida, mas também o seu destino final, a razão de ser de toda a criação.

Em termos práticos, isso significa que a existência do ser humano nunca será satisfatoriamente explicada por meio de instintos isolados ou de mecanismos intencionais como a fome, o poder, o sexo, a sobrevivência, a perpetuação da espécie etc. Isto é, o objetivo principal do homem não é comer, beber etc., mas ser humano. Acima e além desses impulsos, nossa realidade psíquica interior manifesta um mistério vivo que só pode ser expresso por um símbolo, e, para exprimi-lo, o inconsciente muitas vezes escolhe a poderosa imagem do Homem Cósmico.

Como já assinalamos, certas tradições afirmam que o Homem Cósmico é o objetivo, o destino da criação, mas a realização desse propósito não deve ser compreendida como um possível acontecimento de ordem exterior. Segundo os hindus, por exemplo, não significa que o mundo exterior se irá dissolver um dia no Grande Homem original, mas sim que a orientação extrovertida do ego em direção há de desaparecer para dar lugar ao Homem Cósmico. Isso acontece quando o ego se incorpora ao self. O fluxo discursivo das representações do ego que vai de um pensamento a outro) e seus desejos (que correm de um objeto para outro) acalmam-se ao mundo exterior quando é encontrado o Grande Homem interior. Na verdade, não devemos nunca nos esquecer de que para nós a realidade exterior só existe à medida que a percebemos  conscientemente, e que não podemos pro-var que ela existe “em si e por si mesma”.

 

JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus símbolos. Ed. Harper Collins, 2016, Pág 268-271.

III O processo de individuação

M.-L. Von Franz

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