O inapreensível Alliette, vulgo Eteilla

“Na época que abordamos, outro homem além do conde de Mellet escreveu a respeito das cartas. Como dissemos, em 1770, Jean-Baptiste Alliette, vulgo Etteilla, já havia publicado Etteilla, ou Manière de se récréer avec un jeu de cartes, par M.*** [Etteilla, ou Modo de se Entreter com um Jogo de Cartas, por M.***], nada mais, nada menos do que o primeiro tratado de cartomancia de que se tem conhecimento.”

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“Em todo caso, seus estudos deram frutos, pois ele pôde ampliar seu público “por meio de muita audácia, de grande habilidade e, sobretudo, de um modo de se expressar que lhe era particular. Mostrando-se sério e bastante taciturno, raramente concluía a frase que havia começado. Ora, essa maneira de ser, talvez ocasionada por problemas de dicção, ou seja, por fraqueza, passava aos olhos da maioria dos espectadores como prova de profundidade. Mas ele impressionava facilmente tão logo abordasse a questão dos números para estabelecer que não existe acaso nos acontecimentos e que tudo segue uma regra primordial e constante. Além disso, sustentava uma doutrina análoga à de Demócrito e Empedocles, discípulos de Pitágoras, que viam nos números os princípios das coisas. Etteilla sobressaía nos jogos matemáticos, nas combinações de algarismos”

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No entanto, ele não era um mago barato, não se contentava com uma clientela de serviçais ou pessoas simples. É o que demonstram as tarifas que mandou publicar nos jornais da época para seus cursos e consultas: “Uma simples consulta com Etteilla era taxada em 3 libras, uma aula de sábia magia, 3 libras. As séries de horóscopos, jogo grande, médio ou pequeno, custavam respectivamente 100, 50 e 24 libras. Se os clientes, depois de conhecerem o horóscopo, quisessem receber informações complementares, seria necessário desembolsar mais 3 libras, ou 6 para questões adicionais. A explicação de um sonho chegava a 6 libras. Doze libras para ter o nome de seu Gênio, sua natureza, suas qualidades, sua força relativa à vida do consulente. A encomenda mais cara era a de um talismã capaz de proteger seu possuidor de um ou outro perigo: dependendo do poder do talismã, eram cobrados de 8 a 10 luíses. Melhor do que isso, Etteilla admitia assinantes por um preço fixo. Por 30 libras mensais, ele se encarregava de ser o médico espiritual da pessoa que a ele fizesse confidencias e mediante essa módica contribuição, o consulente teria quase certeza de que estaria livre de todas as maldades que pudessem ser causadas por um gênio mal-intencionado”.

O relator dessa informação conclui: “Como vemos. Etteilla foi um grande homem. Hábil, audacioso, astuto e com muita perícia, rapidamente adquiriu uma reputação universal. Para se ter uma ideia do valor das tarifas cobradas, vale lembrar o salário por jornada de trabalho de um artesão fabricante de cartas de jogos: de 18 a 20 sous por dia, sendo que 1 libra equivalia a cerca de 20 a 25 sous. Portanto, podemos considerar que, para uma consulta, um operário teria de desembolsar mais de três dias de salário…”

NADOLNY, Isabelle. História do TarôUm estudo completo sobre suas origens, iconografia e simbolismo. Ed. Pensamento, 2022, pág. 160-162.

A cartomancia

“(…) [Etteilla, ou Modo de se Entreter com um Jogo de Cartas, por M.***] (…)  só se torna um fervoroso “tarólogo” depois de descobrir o texto publicado por Antoine Court de Gébelin em 1781 sobre o tarô.

Podemos dizer que, até essas datas, a cartomancia era bastante rudimentar. Se algumas práticas eram difundidas, isso ocorria de maneira oral, sem referências nem formatações; as práticas que restaram eram populares e bastante difíceis de serem encontradas. Provavelmente as pessoas se divertiam nas feiras, lendo a sorte nas cartas. Tudo se acelerou na França de Luís XVI: a arte de ler as cartas e, mais tarde, os tarôs encontra seus dois primeiros autores, Court de Gébelin (1725-1784) e Jean-Baptiste Alliette (1738-1791).

NADOLNY, Isabelle. História do TarôUm estudo completo sobre suas origens, iconografia e simbolismo. Ed. Pensamento, 2022, pág. 144.