“Convém saber que a alma, quando determinadamente se converte a servir a Deus, de ordinário é criada e regalada pelo Senhor, com o mesmo procedimento que tem a mãe amorosa com a criança pequenina. Ao calor de seus peitos a acalenta; com leite saboroso e manjar delicado a vai nutrindo, e em seus braços a carrega e acaricia. À medida, porém, que a criança vai crescendo, a mãe lhe vai tirando o regalo; e, escondendo o terno amor que lhe tem, põe suco de aloés amargo no doce peito; desce o filhinho dos braços e o faz andar por seus próprios pés, para que, perdendo os modos de criança, se habitue a coisas maiores e mais substanciais. Qual amorosa mãe, procede a graça de Deus, quando, por novo calor e fervor no serviço do Altíssimo, torna, por assim dizer, a gerar a alma. Primeiramente lhe concede doce e saboroso leite espiritual, sem nenhum trabalho da alma, em todas as coisas divinas, e com grande gosto para ela nos exercícios espirituais, dando-lhe Deus então Seu peito de amor terno, como à criancinha terna.
A alma acha seus deleites em passar muito tempo a fazer oração, e porventura até noites inteiras gasta neste exercício; seus gostos são as penitências; seus contentamentos, os jejuns; suas consolações estão em receber os Sacramentos e comungar às coisas divinas. E embora o faça com muito fervor e assiduidade, praticando esses exercícios com sumo cuidado, todavia não deixa de proceder, em todas essas coisas, com muita fraqueza e imperfeição, sob o ponto de vista espiritual.
(…) como estes principiantes não puderam ainda adquirir hábitos fortes, necessariamente hão de obrar fracamente, quais meninos fracos.”
CRUZ, São João da. A noite escura da Alma. Editora Família Católica, 2018, versão Kindle, Posição: 257-273.