Os dados, o acaso, a boa sorte, a fortuna

“Ainda hoje, são o jogo de azar por excelência. De resto, de onde vem o termo “azar Do árabe az-zahr, que significa “o dado”. Hasart e chance também são os nomes de um jogo de dados da Idade Média.”

“Esses dois conceitos, azar e sorte, introduzem as noções de aleatório e improvável, em oposição à Providência. Talvez isso explique a aversão da Igreja pelos jogos de azar, mas preenche um vazio “metafísico”, por assim dizer, ao reintroduzir no mundo cristão, onde um Deus onipotente decidiria tudo, o fortuito, o inesperado, a ideia de algo que poderia produzir-se ou não sem causa aparente ou explicável.

Encontramos uma ideia semelhante com a Fortuna: a Antiguidade, que não conhecia o termo “azar no sentido de “acaso” (hasard), atribuira à Fortuna cega a distribuição insensata dos acontecimentos, bons ou ruins, da vida humana. “A Fortuna conduz sem nenhuma ordem as coisas humanas”, diz Sêneca em sua tragédia Hipólito. É representada com sua célebre roda a partir da Idade Média. A Fortuna é, ao mesmo tempo, uma alegoria e uma divindade. Apesar de seu caráter cego e impessoal, costuma ser representada por uma figura feminina de olhos vendados e é invocada pelo povo como divindade desde a Antiguidade, consultada por intermédio dos dados e dos ossinhos, como se assim fosse possível incitar a sorte a se revelar. A sorte é consequência do acaso: pode ser definida como o que deve acontecer devido ao acaso, às circunstâncias. Também pode ser fruto do destino, mas essas duas ideias são menos associadas. A sorte também designa o que deve acontecer em virtude de um ato mágico, geralmente nefasto-em francês, tem-se a expressão jeter un sort, que signi fica “amaldiçoar”. E objetos de azar são usados (no início, os dados; mais tarde, as cartas) para forçar a sorte a se revelar. Desse modo, conseguiu-se conciliar o acaso com a adivinhação, duas noções que a priori parecem pouco afins, mas que permanecem inseparáveis.

Com efeito, a adivinhação parece mais apropriada videntes ou oráculos, como a Pitia de Delfos ou ainda os profetas do Antigo Testamento, manifestavam os desígnios dos deuses ou de Deus, referentes ao destino de uma pessoa, de uma cidade ou de um povo. Dessa vez, o destino introduz a ideia de determinação. O termo vem do latim destinare, que significa “projetar, destinar”. O destino é escrito: situamo-nos no extremo oposto da ideia de acaso. Os gregos antigos consideravam o destino uma instância superior aos deuses. Os cristãos o identificaram com a Providência divina. Por isso, algumas práticas de adivinhação eram proscritas pela Igreja, para a qual o futuro pertence apenas a Deus”. Uma verdadeira blasfemia ousar interrogá-lo em vez de entregar-se à vontade divina! Eis por que a Igreja associou a maioria das práticas divinatórias ao diabo: tentar penetrar nos designios de Deus para melhor prevê-los e, assim, agir sobre eles significa afastar-se de Deus tal como fez Lúcifer.”

O que colocamos em movimento quando utilizamos o tarô?

Atualmente, talvez fosse mais provável que tentássemos ver as consequências da “lei de causa e efeito”, espécie de justo meio entre o acaso, que não obedece a nenhuma lei, e o destino, que é selado.”

NADOLNY, Isabelle. História do Tarô. Um estudo completo sobre suas origens, iconografia e simbolismo. Ed. Pensamento, 2022, pág. 21-22.