Arqueologia e Crucifixão

“A) USO DA CRUCIFIXÃO

É necessário, com efeito, chegarmos às conquistas de Alexandre, que a recebeu dos persas, para vê-la entrar na história helênica. Continuou aí a ser empregada sob os diádocos, na Síria sob os selêucidas, como Antíoco Epifânio, e no Egito sob os ptolomeus. Em Siracusa, cidade grega, Dionísio, o tirano, tê-la-ia talvez recebido dos cartagineses.

(…)

Em Roma, começou se a aplicar o verdadeiro suplício da cruz, durante as guerras, aos desertores, ladrões e, sobretudo, aos revoltosos vencidos. Em parte alguma foi este motivo mais abundantemente explorado que no país israelita: desde os 2.000 judeus sediciosos de Herodes, o Grande, até as hecatombes do cerco de Jerusalém, em que os romanos chegaram a crucificar 500 judeus por dia, segundo o testemunho de Flávio José, historiador de raça judaica (…)

Em tempo de paz, era primordialmente o suplicio dos escravos. (…)

No começo, a cruz estava reservada às revoltas coletivas, como a de Spartacus, da qual sabemos que, após sua repressão, 6,000 cruzes balizaram a estrada de Cápua a Roma. Mais tarde, porém, os proprietários receberam o direito de vida e morte, sem apelação, sobre seus escravos, considerados animais. A costumeira ordem de morte era “fone crucem servo-Impõe a cruz ao escravo”.

B) INSTRUMENTOS DA CRUCIFIXÃO

Geralmente a cruz regulamentar, se é que assim se pode falar, era formada por duas peças distintas.(…) Uma das peças, a vertical, enterrada permanentemente como um poste fixo, era o “stipes crucis -tronco da cruz”; a outra, móvel e que se fixava horizontalmente sobre a primeira, se chamava o “patibulum”.

1°) Stipes crucis- Digamo-lo em português: o tronco da cruz, porque “stipes” quer dizer tronco de árvore, estaca e ainda estaca pontiaguda. (…) “Crux (cruz) em latim, como “stauros” em grego, não é outra coisa senão uma estaca fixada verticalmente no chão. (…)

O significado da palavra “crux” estendeu-se, em seguida, ao conjunto dos dois paus ajustados um ao outro, tal como o concebemos hoje em dia, com a forma +.

(…)

Não devemos, nestas pesquisas sobre um suplício que era quotidiano, esquecer a noção de comodidade, já aperfeiçoada por não pequeno uso. E, por tanto, conveniente que nos coloquemos sempre na situação de um carrasco da época.

2°) Patibulum-Furca – (…) Mas, como nem sempre se tinha à mão uma “furca”, passou-se usar um pedaço de pau comprido que servia para trancar as portas e que se chamava “patibulum”  (…) Carregava-a, geralmente, sobre a nuca, tendo os dois membros superiores estendidos e amarrados sobre ela de modo que ficasse, desta forma, também impedido de atacar a quem quer que fosse.

(…)

3°) Conjunção dos dois pausFicavam, ordinariamente, os dois paus separados; (…) A priori, podia-se fazer de duas maneiras: ou inserindo-o em uma das faces da estaca ou apoiando-o sobre a extremidade dessa mesma estaca; fazia-se uma cruz (†) ou um T, o Tau maiúsculo do alfabeto grego.

(…) Quase todos os arqueólogos modernos pensam que a cruz romana era em T.

(…)

4°) Sedile – E possível que, em certos casos, se fixasse à parte anterior do “stipes”, em sua parte média, uma espécie de tolete horizontal, de madeira que passasse entre as coxas e sustentasse o períneo.

(…)

Ao estudar as causas da morte na crucifixão, veremos que este apoio era destinado a prolongar consideravelmente a agonia por diminuir a tração sobre as mãos, causa de tetania e asfixia.

(…)

5°)  Suppedanaeum – (…) fazendo os pés de Jesus repousar sobre um consolo horizontal ou oblíquo, sobre o qual estão pregados.”

BARBET, Pierre. A Paixão de Cristo, segundo o cirurgião. São Paulo: Edições Loyola, 2014, pág. 52-55.