Rituais contém mundo

“Não ocorre depressão em uma sociedade determinada pelo ritual. A alma é totalmente absorvida, esvaziada, pelas formas rituais. Rituais contém mundo. Produzem uma relação forte com o mundo. Na origem da depressão, ao contrário, está uma relação consigo mesmo exageradamente tensa. Nela, se é incapaz de sair de si mesmo, de se ultrapassar em direção ao mundo, e acaba-se encapsulado em si mesmo. O mundo desaparece. Com uma angustiante sensação de vazio, circula-se apenas por si mesmo. Rituais, ao contrário, aliviam o eu do fardo de si mesmo. Eles despsicologizam e desinteriorizam o eu.”

HAN, Byung-Chul.O desaparecimento dos rituais: Uma topologia do presente. Ed. Vozes, 2021, Local 213.

Coação de produção

Mundo sem voz e sem olhar

“Da câmara de eco digital, na qual se ouve sobretudo a si mesmo falar, desaparece, cada vez mais, a voz do outro. Hoje, o mundo é, por causa da ausência do outro, menos dotado de voz. Em oposição ao tu, o isso não tem voz. Do isso não parte nem uma alocução, nem uma vista. O desvanecimento do de frente faz do mundo sem voz e sem olhar.”

HAN, Byung-Chul.A expulsão do outro: Sociedade, percepção e comunicação hoje. Ed. Vozes, 2022, Local 914.

Voz

Cabe ao indivíduo descobrir o que é capaz de fazer

Tudo, por assim dizer, corre agora por conta do indivíduo. Cabe ao indivíduo descobrir o que é capaz de fazer, esticar essa capacidade ao máximo e escolher os fins a que essa capacidade poderia melhor servir — isto é, com a máxima satisfação concebível. Compete ao indivíduo “amansar o inesperado para que se torne um entretenimento”.

(…)
Nesse mundo, poucas coisas são predeterminadas, e menos ainda irrevogáveis. Poucas derrotas são definitivas, pouquíssimos contratempos, irreversíveis; mas nenhuma vitória é tampouco final. Para que as possibilidades continuem infinitas, nenhuma deve ser capaz de petrificar-se em realidade para sempre.”

BAUMAN, Zygmunt.Modernidade líquida, Ed. Zahar, Local: 1137-1143.

Capítulo 2 | Individualidade

Tenho carro, posso viajar

Supremas Repartições

“Como as Supremas Repartições que cuidavam da regularidade do mundo e guardavam os limites entre o certo e o errado não estão mais à vista, o mundo se torna uma coleção infinita de possibilidades: um contêiner cheio até a boca com uma quantidade incontável de oportunidades a serem exploradas ou já perdidas. Há mais — muitíssimo mais — possibilidades do que qualquer vida individual, por mais longa, aventurosa e industriosa que seja, pode tentar explorar, e muito menos adotar.”

BAUMAN, Zygmunt.Modernidade líquida, Ed. Zahar, Local: 1129.

Capítulo 2 | Individualidade

Tenho carro, posso viajar

A prisão de estar no mundo

“A prisão em que me parece estar é o mundo, e a cadeia que a ele me sujeita é o corpo. E a alma, iluminada pela graça, é a que conhece a importância de estar privado, ou ao menos retardado, por algum impedimento que não lhe permite conseguir o seu fim.

E assim como é impossível que venha Deus a sofrer alguma pena, assim lhes sucede àquelas almas que se aproximam dele, e tanto mais quanto mais se aproximam dele, pois mais participam de suas propriedades. Ora, o retardo que a alma sofre lhe causa uma pena, e esta pena e retardo fazem-lhe desconforme àquela propriedade que ela tem por natureza.

E não podendo gozar dela, sendo dela capaz, sofre uma pena tão grande quanto nela é grande o conhecimento e o amor de Deus.”

Santa Catarina de Gênova. Tratado do Purgatório, Ed. Santa Cruz, 2019, Local: 642-651.

Capítulo I – Tratado do Purgatório

Mundo-Cárcere, corpo-cadeia

Temos tudo-só nos falta o essencial

“Aparentemente, temos tudo; só nos falta o essencial, a saber, o mundo. O mundo perdeu sua alma e sua fala, se tornou desprovido de qualquer som. O alarido da comunicação sufoca o silêncio. A proliferação e massificação das coisas expulsa o vazio. As coisas superpovoam céu e terra. Esse universo-mercadoria não é mais apropriado para se morar. Ele perdeu toda relação para com o divino, para com o sagrado, com o mistério, com o infinito, com o supremo, com o elevado. Perdemos toda capacidade de admiração. Vivemos numa loja mercantil transparente, onde nós próprios, enquanto clientes transparentes, somos supervisionados e governados.”

HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Ed. Vozes, 2022, Local 1048.

Anexos: Tempo de celebração-a festa numa época sem celebração