O Castelo do silêncio

O cavaleiro logo tomou consciência de duas coisas: primeiro, parecia não haver nenhuma porta na sala que levasse a outras partes do castelo. Segundo, o silêncio que fazia nesse castelo era extraordinário, misterioso. Ele percebeu com um sobressalto que o fogo nem mesmo crepitava.

Estou surpreso de vê-lo aqui. Ouvi falar que o senhor estava numa cruzada. — É isso que eu digo sempre que viajo pelo Caminho da Verdade — explicou o rei. — É mais fácil para meus súditos entenderem. O cavaleiro parecia intrigado. — Todos entendem as cruzadas — disse o rei —, mas muito poucos entendem a verdade.

“— A maioria de nós está aprisionada no interior de uma armadura — declarou o rei. — O que o senhor quer dizer? — perguntou o cavaleiro. — Nós levantamos barreiras para proteger quem pensamos ser. Então um dia ficamos presos atrás dessas barreiras e não conseguimos mais sair.

— Nunca pensei que fosse um ser aprisionado, rei. O senhor é tão sábio — disse o cavaleiro. O rei riu, pesaroso. — Tenho sabedoria suficiente para compreender quando estou aprisionado e retornar aqui, para aprender mais sobre mim.

É verdade que meus companheiros e eu não estávamos sozinhos, porque falávamos constantemente, mas, quando se fala, é impossível ver a porta para sair desta sala.

Ficar em silêncio significa mais do que não falar — disse o rei. — Descobri que, quando estava com alguém, mostrava apenas a minha melhor imagem. Não deixava as barreiras cederem e não permitia que nem eu nem a outra pessoa víssemos o que eu estava tentando esconder.

O rei esfregou o dedão delicadamente. — Tudo bem. Essa armadura dói mais em você do que em mim.

— A viagem pelo Caminho da Verdade nunca termina. Cada vez que volto aqui encontro novas portas, enquanto minha compreensão se expande gradativamente.

Este é um novo tipo de cruzada para você, caro cavaleiro, uma que requer mais coragem do que todas as outras batalhas que você já enfrentou antes. Se conseguir mobilizar a força necessária para ficar aqui e fazer o que tem de fazer, esta será sua maior vitória.

O cavaleiro correu até onde o rei estivera, esperando que, de perto, também pudesse ver a porta. Deparando-se com o que parecia ser apenas uma parede sólida, ele começou a caminhar em redor da sala. Tudo o que podia ouvir era o som de sua armadura ecoando pelo castelo. Depois de algum tempo, sentiu-se deprimido como nunca antes em sua vida. Para se animar, cantarolou duas estimulantes canções de batalha: “Estarei lá para pegá-la numa cruzada, meu amor” e “onde penduro meu elmo é meu lar”. Ele as cantou vezes e vezes seguidas. Conforme sentia sua voz ficando cansada, percebia que a quietude tornava seu canto inaudível, envolvendo-o num silêncio total e devastador. Somente então, o cavaleiro pôde realmente admitir algo que nunca tinha reconhecido antes: tinha medo de ficar sozinho.

Logo irrompeu em sua mente que, durante toda a sua vida, perdera tempo falando sobre o que tinha feito e o que iria fazer. Nunca desfrutara o que estava realmente acontecendo. E assim uma outra porta apareceu.

— Por que será que essas salas vão se tornando cada vez menores? — ele se perguntou, em voz alta. Uma voz respondeu: — Porque você está fechando o cerco sobre si mesmo. Assustado, o cavaleiro olhou à sua volta. Ele estava sozinho — ou pelo menos pensava que estava. Quem tinha falado? — Você falou — disse a voz, respondendo ao seu pensamento. A voz parecia vir de dentro dele. Seria possível? — Sim, é possível — respondeu a voz. — Sou o seu eu verdadeiro. — Mas eu sou o meu eu verdadeiro — protestou o cavaleiro. — Olhe para si mesmo — disse a voz com uma ponta de desgosto —, sentado aí meio morto de fome, envolto nessa sucata com uma viseira enferrujada e ostentando uma barba ensopada. Se você é o seu eu verdadeiro, ambos estamos encrencados! — Agora preste atenção — disse o cavaleiro —, vivi todos esses anos sem ouvir uma única palavra sua. Agora que ouço, a primeira coisa que diz é que você é o meu eu verdadeiro. Por que não se manifestou antes? — Tenho estado por perto há anos — replicou a voz —, mas esta é a primeira vez que você fica quieto o bastante para me escutar.

O cavaleiro estava boquiaberto, incrédulo. Olhou para o céu e, com a voz estrondosa, disse: — Merlin, preciso falar com você. Como prometera, o mago apareceu imediatamente. Estava nu, exceto pela longa barba, e pingava de tão molhado. Aparentemente, o cavaleiro pegara Merlin tomando banho. — Perdoe-me por essa intrusão — disse o cavaleiro —, mas trata-se de uma emergência. Eu… — Não faz mal — disse Merlin, interrompendo-o. — Os magos acabam se acostumando com essas inconveniências.

— Para responder à sua pergunta, devo dizer que é verdade. Você permaneceu no Castelo do Silêncio por um longo tempo. Merlin nunca deixava de surpreender o cavaleiro. — Como você sabia que eu queria perguntar isso? — Como me conheço, posso conhecer você. Somos todos parte um do outro — respondeu o mago.

— Não temos de sentir orgulho por sermos humanos. Isso é tão sem sentido quanto seria para Rebecca sentir orgulho por poder voar. Rebecca nasceu com asas. Você nasceu com um coração e agora o está usando, simplesmente como deveria fazê-lo.”

FISHER, Robert. O cavaleiro preso na armadura. Ed. Record, 2020, Local: 525-683.

O Castelo do silêncio