A Cruz e a Paz

“A cruz do Salvador do Mundo, apesar do comportamento dos seus sacerdotes, é um símbolo vastamente mais democrático do que a bandeira local.

A compreensão das implicações últimas –  e críticas –  das palavras e símbolos de redenção do mundo da tradição cristã foi de tal modo deturpada, ao longo dos tumultuosos séculos que nos separam da declaração de guerra – feita por Santo Agostinho – da Civitas Dei contra a Civitas Diaboli, que o pensador moderno, desejoso de saber o significado de uma religião mundial (isto é, de uma doutrina do amor universal) deve voltar-se para a outra grande (e muito mais antiga) comunhão universal: a comunhão do Buda, na qual a principal palavra é a paz – paz pra todos os seres.

Os seguintes versos tibetanos, por exemplo, de dois hinos do poeta-santo Milarepa, foram compostos mais ou menos na época em que o papa Urbano II pregava a Primeira Cruzada:

“No seio da Cidade da Ilusão dos Seus Planos do Mundo, O Principal fator é o pecado e a ignorância nascidos das más obras;

Ali, o ser seguido dita as preferências e aversões, E jamais chega o momento de conhecer a Igualdade: Evitai, ó filho meu, as preferências e aversões.

Se realizardes o Vazio de Todas as Coisas, a Compaixão surgirá em vossos corações;
Se abandonardes todas as diferenciações entre vós mesmos e os outros, sereis dignos de servir aos outros;

E quando, no serviço dos outros, encontrardes sucesso, a mim encontrareis;

E me encontrando, alcançareis a Condição de Buda.”

Campbell, Joseph. O herói de mil faces. Pensamento, São Paulo, 2007, p. 152-152.