“Hoje se consuma em silêncio outra mudança de paradigma. À virada copernicana-antropológica que elevou o ser humano a produtor autônomo do conhecimento sucede a virada dataísta. O ser humano deve se regular pelos dados. Ele abdica de ser produtor de conhecimento, entregando sua soberania aos dados. O dataísmo põe um fim no idealismo e no humanismo do Esclarecimento. O ser humano não é mais um sujeito soberano do conhecimento, artífice do saber. O saber é produzido, então, apenas maquinalmente. A produção de saber por dados ocorre sem o sujeito ou a consciência humanos. Quantidades descomunais de dados suplantam o ser humano de sua posição central como produtor de saber.
O saber produzido por Big Data se despoja dos conceitos. É por demais módica a capacidade das faculdades do conhecimento humanas. Processadores são mais rápidos do que os humanos justamente por isto, pois não pensam ou concebem, somente calculam.
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Da transparência como imperativo dataísta parte a coação de converter tudo em dados e informações, quer dizer, em visível. É uma coação da produção. A transparência não considera que o ser humano é livre, somente os dados e as informações o são. É uma forma de domínio eficiente, na qual a comunicação total e a vigilância total viram uma coisa só. O domínio se oferece como liberdade. Big Data gera um saber que torna possível o domínio intervir na psique humana e dirigi-la.
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A coação de produção destrói o espaço para jogos e narrativas. O trabalho algoritmo do cálculo não é narrativo, mas meramente aditivo. Pode ser, por isso, acelerado à vontade. O pensamento, em contrapartida, não permite qualquer aceleração. Teorias apresentam ainda traços narrativos. Algoritmos calculam, mas não contam.”
HAN, Byung-Chul.O desaparecimento dos rituais: Uma topologia do presente. Ed. Vozes, 2021, Local 1199-1214.
Do mito ao dataísmo