A perda da capacidade de repetição

“À caça por novos estímulos, excitações e vivências, perdemos hoje a capacidade de repetição. Aos dispositivos neoliberais como autenticidade, inovação ou criatividade é inerente uma coação permanente ao novo. Eles produzem, contudo, ao fim e ao cabo, apenas variações do igual.
Para escapar da rotina, do vazio, consumimos ainda mais coisas novas, novos estímulos e vivências. Justamente a sensação de vazio impulsiona a comunicação e o consumo.”

HAN, Byung-Chul.O desaparecimento dos rituais: Uma topologia do presente. Ed. Vozes, 2021, Local 157-163.

Coação de produção

Repetição

“Eu posso repetir apenas o que está privado de evento, e nisso, contudo, algo me alegra no canto do olho (a luz do dia, ou o crepúsculo); mesmo um pôr-do-sol já é um evento e irrepetível; com efeito, não posso repetir sequer uma vez uma determinada luz, ou um crepúsculo, mas apenas um caminho (e, nele, devo ter cuidado com todas as pedras, mesmo as novas)”

HAN, Byung-Chul.O desaparecimento dos rituais: Uma topologia do presente. Ed. Vozes, 2021, Local 153.

Coação de produção

A repetição é a característica essencial do ritual

“A percepção serial é extensiva, enquanto a percepção simbólica é intensiva. Dada sua extensão, sua atenção é rasa. A intensidade dá lugar hoje, em toda parte, à extensão. A comunicação digital é uma comunicação extensiva. Ela não produz relações, mas conexões.

O regime neoliberal acelera a percepção serial, aumenta o hábito serial. Elimina deliberadamente a duração para obter mais consumo. O update constante que compreende nesse ínterim todos os âmbitos da vida, não permite a duração, um término. A coação permanente da produção leva a um desencasamento. A vida se torna, com isso, mais contingente, mais efêmera, e instável. Habitar, contudo, requer duração.
O transtorno de déficit de atenção é resultado de um recrudescimento patológico da experiência serial. A experiência nunca repousa. Desaprendeu a permanecer. A atenção profunda como técnica cultural se forma justamente pelas práticas rituais e religiosas. Religião não provém por acaso de relegere, prestar atenção. Toda práxis religiosa é um exercício de atenção. O templo é um lugar de atenção profunda. A atenção é, segundo Malebranche, a reza natural da alma. Hoje, a alma não reza. Ela se produz continuamente.
Memorizar se chama em francês apprendre par cœur. Apenas a repetição alcança manifestamente o coração.
A repetição é a característica essencial do ritual. Ela se distingue da rotina pela sua capacidade de produzir uma intensidade.”

HAN, Byung-Chul.O desaparecimento dos rituais: Uma topologia do presente. Ed. Vozes, 2021, Local 122-138.

Coação de produção

Ordem

“Ordem”, permitam-me explicar, significa monotonia, regularidade, repetição e previsibilidade; dizemos que uma situação está “em ordem” se e somente se alguns eventos têm maior probabilidade de acontecer do que suas alternativas, enquanto outros eventos são altamente improváveis ou estão inteiramente fora de questão. Isso significa que em algum lugar alguém (um Ser Supremo pessoal ou impessoal) deve interferir nas probabilidades, manipulá-las e viciar os dados, garantindo que os eventos não ocorram aleatoriamente.

BAUMAN, Zygmunt.Modernidade líquida, Ed. Zahar, Local: 1008.

Capítulo 2 | Individualidade

Capitalismo – pesado e leve

Estar-em-casa

“Os rituais são técnicas de fechamento temporal. Eles transformam o “estar-no-mundo” em “estar-em-casa”. Eles são no tempo o que as coisas são no espaço. Eles estabilizam a vida ao estruturarem o tempo. Eles são arquiteturas temporais. Desta forma, eles tornam o tempo habitável, até mesmo transitável, como uma casa. O tempo hoje carece de uma estrutura sólida. Ele não é uma casa, mas uma tempestade caudalosa. Nada lhe dá uma base de apoio. O tempo, que se avança apressadamente, não é habitável.

Tanto os rituais quanto as coisas do coração são pontos de descanso da vida que a estabilizam. Eles são caracterizados pela repetição. A compulsão da produção e do consumo elimina a repetição. Ela desenvolve a compulsão para o novo.”

HAN, Byung-Chul. Não coisas: Reviravoltas do mundo da vida. Ed. Vozes, 2021, Local 1173-1178.

Coisas do coração