Astúcia da dor

“(…) o tédio não é senão a dissolução da dor no tempo”

A violência também é o excesso de positividade que se manifesta como hiperdesempenho, hipercomunicação e hiperestimulação. A violência da positividade leva a dores de sobrecarga. Algógenas são, hoje, sobretudo aquelas tensões físicas que são características para a sociedade do desempenho neoliberal. Elas indicam traços autoagressivos. O sujeito de desempenho comete violência consigo próprio. Ele explora a si mesmo voluntariamente, até que ele desmorone. O servo tira o chicote da mão do senhor e chicoteia a si próprio para se tornar senhor, sim, para ser livre. O sujeito do desempenho está em guerra consigo mesmo. As pressões internas que surgem aí o derrubam em depressão. Elas também causam dores crônicas.

Para dores, a solidão e a experiência de proximidade faltante funcionam como um amplificador. Talvez dores crônicas como aqueles cortes autoinduzidos sejam um grito do corpo por atenção [Zuwendung] e por proximidade, sim, pelo amor, uma indicação eloquente de que, hoje, dificilmente ocorrem contatos. Falta-nos, evidentemente, a curadora mão do outro.

Não por último é o vazio de sentido da sociedade atual que faz as dores crônicas insuportáveis. Elas refletem a nossa sociedade esvaziada de sentido, o nosso tempo sem narrativa, no qual a vida se tornou uma sobrevivência nua. Analgésicos ou pesquisas psicológicas não conseguem fazer muito aqui. Eles apenas nos tornam cegos diante das causas socioculturais da dor.”

HAN, Byung-Chul. Sociedade paliativa: A dor hoje. Ed. Vozes, 2021, Local, 483-516.

Astúcia da dor

O pensamento ama o abismo

“O tédio profundo faz com que alvoreçam aquelas possibilidades de ação que poderiam capturar o ser-aí e que, porém, neste momento, permanecem dormentes no é um tédio. Ele convoca o ser-aí a capturar o poder-ser mais próprio; ou seja, a agir. Ele tem um caráter de chamado. Ele fala. Ele tem uma voz. O tédio de hoje em dia, que vem junto de uma hiperatividade, é sem fala, mudo. Ele é eliminado por meio da próxima atividade. Ser ativo, porém, não é ainda agir.

O pensamento ama o abismo. Inere nele uma “coragem clara para a angústia essencial”. Sem essa angústia, o igual se perpetua.

Hoje impera uma indiferença ontológica. Tanto o pensamento como a vida se tornam cegos em relação a seu plano de imanência. Sem contato com ele, o igual persiste.”

HAN, Byung-Chul.A expulsão do outro: Sociedade, percepção e comunicação hoje. Ed. Vozes, 2022, Local 492-506.

Angústia

A democracia é lenta, prolixa e tediosa

“A comunicação baseada em memes como contaminação viral dificulta o discurso racional ao mobilizar, mais do que nada, afetos.

(…)

A democracia é lenta, prolixa e tediosa. A propagação viral de informações, a infodemia, prejudica, assim, de modo massivo o processo democrático. Argumentos e fundamentações não cabem em tuítes ou memes que se propagam e multiplicam em velocidade viral.

Informações ultrapassam num piscar de olhos a verdade e esta não lhes pode alcançar. Está condenada ao fracasso, portanto, a tentativa de, com a verdade, querer lutar contra a infodemia. Esta é resistente à verdade.”

HAN, Byung-Chul. Infocracia: Digitalização e a crise da democracia. Ed. Vozes, 2022, Local 378-386.

Infocracia

A inatividade não se opõe à atividade

“A inatividade não se opõe à atividade. Antes, a atividade se nutre da inatividade.

(…)

O tédio é o limiar de grandes feitos”. O tédio constitui o “lado externo do acontecimento inconsciente”. Sem ele, nada se sucede. O núcleo do novo não é a determinação para a ação, mas o acontecimento inconsciente.”

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa, ou sobre a inatividade. Ed. Vozes, 2023, Local 282-284.

Considerações sobre a inatividade