“As tensões no aparato psíquico, que resultam dos efeitos da proibição e da repressão, fazem com que surjam vozes. Assim, Daniel Paul Schreber, autor de Feitos memoráveis de um doente dos nervos, sente-se perseguido por vozes. Elas ressoam de um lugar inteiramente outro. Schreber fala de um “tráfego de vozes que parte de um outro lugar e que sugere uma origem sobrenatural”. As vozes, que falam incessantemente com ele, são atribuídas a Deus: “Permanece, então, para mim, uma verdade incontestável, que Deus se revelou novamente todo dia e a toda hora por meio de conversas de vozes e maravilhas”. Schreber adquire sinfonias, caixinhas de música ou acordeões orais, “a fim de, em certas ocasiões, se sobrepor à tagarelice das vozes e, assim, conseguir-me pelo menos um repouso provisório”. A voz é um fantasma, um espírito. O que foi excluído e reprimido retorna como voz. A negatividade da negação e da repressão é constitutiva para a voz. Na voz, o conteúdo psíquico reprimido retorna. Na sociedade em que a negatividade da repressão e da negação dá cada vez mais lugar à permissividade e à afirmação haverá cada vez menos vozes para se ouvir. Em contrapartida cresce, porém, a barulheira do igual.”
HAN, Byung-Chul.A expulsão do outro: Sociedade, percepção e comunicação hoje. Ed. Vozes, 2022, Local 870.
Voz