“O famoso alquimista Zózimo, sobre quem Jung tanto escreveu, diz que há transformações comuns, astrologicamente mágicas, de metais, baseadas em superstição, e que há também transformações kairikai de metais. A palavra kairikai vem de Kairós, que significa momento magicamente favorável, e não apenas do ponto de vista astrológico. É mais ou menos como o conceito chinês de Tao, que apenas se pode alcançar sentindo-o:
“Não hoje, não não agora, mas agora é o momento exato”. Isso é Kairós. E Zózimo, ao longo de todo um tratado, diz que a alquimia lida com as transformações kairikai dos metais. Isso significa que se deve descobrir, por meio da meditação, qual o momento interno correto para a transformação de um material, e não apenas encarar a constelação astrológica de maneira supersticiosa.”
(…)
“Portanto, desde tempos remotos sempre houve tratados químicos em que se dava maior ênfase às receitas concretas: use isso e aquilo em tais e tais quantidades; verifique se o material está limpo e o misture de tal e tal maneira. Ou havia desenhos esque-máticos mostrando como fazer um forno, e as quantidades que deveriam ser despejadas na mistura, e assim por diante; esboços mostrando como modelar novos copos, retortas e vasos. Predomina aí o lado extrovertido da ciência, e ao ler, por exemplo, a History of Alchemy, de Holmyard (Penguin Books), você encontrará apenas este tipo de abordagem. Ele descreve a história da alquimia de maneira extrovertida, e conta para vocês apenas sobre isso. Eles já conheciam o vidro e possuíam certos recipientes e receitas mostrando como fazer isto ou aquilo. A tradição introvertida, por sua vez, mostra uma consciência mais ampla do estado interior e das pressuposições subjetivas e teóricas no âmbito do experimento. Podemos dizer que, naquele exato momento, ocorreu uma grande mudança de direção nas ciências naturais: a linha extrovertida tinha sido explorada até seu limite máximo, e seu exagero culminava em coisas sem sentido. Então, nomes de primeira grandeza na física moderna trataram de procurar novamente o fator subjetivo. Isso começou com a descoberta de que não se pode excluir o observador do experimento, e acredito que isso irá, inevitavelmente, ainda mais além, a saber, não apenas não se pode excluir o observador como também não se pode excluir suas condições subjetivas.
Estamos agora exatamente na iminência de retornar à tradição mais introvertida.
“(…) citado em textos latinos como Senior. Ele era um sheik e Senior era simplesmente a tradução dessa palavra. Essas pessoas abordavam o problema sob outro pressuposto, o de que o mistério que estavam tentando descobrir, o mistério da estrutura do universo, estava neles mesmos, em seus próprios corpos e naquela parte de sua personalidade que chamamos de o inconsciente, mas que eles diriam ser a vida de sua própria existência material.
Eles pensavam que, em vez de trabalhar com materiais externos, você poderia, com igual pertinência, olhar dentro de si e obter diretamente informações provenientes desse mistério porque você é esse mistério. Afinal, você também era a parte do mistério da existência cósmica e, portanto, poderia examiná-lo diretamente. Mais que isso, você poderia pedir à matéria, o mistério do qual você consiste, para que ela lhe dissesse o que ele é, para que ela se revelasse a você. (…) Eles consultavam diretamente esses poderes, por intermédio do que chamavam de meditação e, portanto, a maioria desses alquimistas introvertidos sempre acentuava o fato de que não apenas se deveria fazer experiências exteriores, mas que também seria necessário intercalar fases de introversão com preces e meditação e uma espécie de yoga.”
“Olhando para trás na história podemos dizer que o que vemos agora como duas coisas, e que, por motivo de clareza, tentamos manter separadas, a saber, aquilo que em termos junguianos chamamos de inconsciente coletivo e aquilo que em termos da física chamamos de matéria, eram, para a alquimia, sempre uma única coisa. Vocês sabem que Jung também estava convencido de que eram ambos a mesma coisa desconhecida, só que num dos casos observada de fora, e no outro, de dentro. Se você a observa com a abordagem extrovertida, de fora, então você a chama de matéria. Se você a observa com a abordagem introvertida, de dentro, você a chama de inconsciente coletivo.”
VON FRANZ, Marie-Louise. Alquimia e a Imaginação ativa: estudos integrativos sobre imagens do inconsciente, sua personificação e cura. Ed. São Paulo: Cultrix, 2022. Pág.20-24.
1. Palestra
Origens da Alquimia: Tradições extrovertidas e introvertidas.