Um novo paradigma

“(…) o que Jung está fazendo nesse caso é inserir a psique na descrição completa da realidade, quando diz que deve ser considerada “a significativa coincidência entre um evento psíquico e um evento objetivo”. Isso adiciona o elemento de significação ao paradigma científico, o qual, sem o concurso desse elemento, continua sem referência à consciência humana ou ao valor do significado. Jung está propondo que uma descrição completa da realidade deve incluir a presença da psique humana o observador elemento de significação.”

“Para Jung, a subida à consciência de padrões e imagens oriundas das profundezas do inconsciente coletivo psicoide fornece ao gênero humano seu propósito no universo, pois somente nós (até onde nos é dado saber) estamos aptos a perceber esses padrões e a dar expressão ao que percebemos. Dito de outra maneira, Deus precisa de nós a fim de tornar-se presente na consciência. Os humanos estão numa posição que lhes permite tomarem consciência de que o cosmos tem um princípio ordenador. Podemos notar e registrar o significado aí existente.”

“A sincronicidade não é, primordialmente, uma noção filosófica, pretende Jung argumentar, mas um conceito baseado em fatos e observações empíricas. Ela pode ser testada em laboratórios. Só uma cosmologia dessa espécie será aceitável no mundo contemporâneo.”

“Cada um de nós é o portador de um fragmento da consciência de que os tempos necessitam para ampliar o conhecimento dos motivos subjacentes que se desenrolam na história. Sonhos individuais de natureza arquetípica, por exemplo, podem estar a serviço dos tempos, compensando a unilateralidade da cultura, e não só da consciência do indivíduo. Nesse sentido, o indivíduo é um co-criador do reflexo de realidade que a história como um todo revela.”

“A fim de relacionar a teoria dos arquétipos com os eventos sincronísticos que transgridem as fronteiras do mundo psíquico, Jung viu-se forçado a ampliar a sua noção da natureza não-psíquica do arquétipo. Por um lado, é psíquico e psicológico, uma vez que é experimentado dentro da psique na forma de imagens e ideias. Por outro lado, é irrepresentável em si mesmo e sua essência está fora da psique. Jung apresenta a ideia da propriedade de transgressividade do arquétipo. “Embora estejam associados a processos causais ou ‘portados’ por eles, [os arquétipos] estão, entretanto, ultrapassando continuamente os seus próprios limites, procedimento este a que eu daria o nome de transgressividade porque os arquétipos não se encontram de maneira certa e exclusiva na esfera psíquica, mas podem ocorrer também em circunstâncias não-psíquicas (equivalência de um processo físico externo com um processo psíquico).” O arquétipo transgride as fronteiras da psique e da causalidade, embora seja “portado” por ambas. Jung tem o propósito de atribuir à transgressividade o significado de que as configurações que ocorrem na psique estão relacionadas com eventos e padrões situados fora da psique. A característica comum a ambos os domínios é o arquétipo.”

“Um instinto como a sexualidade, por exemplo, poderia ser ativado não só em virtude de uma cadeia causal de eventos em sequência (fatores genéticos, fixações psicológicas ou experiências infantis), mas também porque um campo arquetípico está constelado num determinado momento e um encontro ocasional com uma pessoa converte-se num relacionamento para a vida inteira. Nesse momento, algo do mundo psicoide toma-se visível e consciente (a sizígia, o par animus-anima). A imagem constelada do arquétipo não cria o evento, mas a correspondência entre a preparação psicológica interior (a qual pode ser totalmente inconsciente nesse momento) e o aparecimento exterior de uma pessoa, de forma inesperada e imprevisível, é sincronística. Por que acontecem tais conexões parece um mistério se refletirmos unicamente em termos de causalidade, mas se introduzirmos o fator sincronístico e a dimensão de significação, estaremos muito mais perto de uma resposta mais completa e satisfatória. Num universo aleatório, essa coincidência de necessidade e oportunidade, ou de desejo e satisfação, seria impossível ou, pelo menos, estatisticamente improvável. Esses mistérios inesquecíveis que estão consubstanciados em eventos sincronísticos transformam as pessoas. As vidas encaminham-se em novas direções, e a contemplação do que está por detrás de eventos sincronísticos leva a consciência para profundos, talvez até definitivos níveis de realidade. Quando um campo arquetípico é constelado e a configuração emerge sincronisticamente no interior da psique e no mundo não-psíquico objetivo, tem-se a experiência do ser em Tao. E o que fica acessível à consciência através de tais experiências é fundamental, uma visão de quanto os homens são capazes de discernir da realidade suprema. Ingressar no mundo arquetípico de eventos sincronísticos gera a sensação de se estar vivendo na vontade de Deus.”

 

Stein, Murray. Jung, O Mapa da Alma – Uma introdução. Ed. Cultrix, 2020, Local Kindle 5316-5441.

9. Do tempo e eternidade (Um novo paradigma)

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