Vítimas da cisão mental

“O liame relacional necessário para que se exerça a eficácia psicoterapêutica não permite ao médico subtrair-se ou furtar-se às impressões violentas que o fazem participar dos cumes e abismos do homem que se debate no sofrimento. Pois, enfim, o que significa esse famoso “liame efetivo” entre doente e médico, senão uma comparação e uma adaptação permanentes, no seio de uma confrontação dialética, das duas realidades psíquicas que se acham face a face? Ora, se tais impressões e ajustamentos, por qualquer razão, permanecem letra morta num ou noutro, todo o processo psicoterapêutico ficará aniquilado e não ocorrerá qualquer transformação. Se cada um dos protagonistas não se tornar problema, um para o outro, será impossível buscar uma resposta.

Essas vítimas da cisão mental de nosso tempo são simples “neuróticos facultativos”, cuja aparência doentia desaparece no momento em que a falha aberta entre o eu e o inconsciente se apaga. Aquele que fez uma experiência profunda dessa cisão está mais apto do que outros a adquirir uma melhor compreensão dos processos inconscientes da alma, evitando esse perigo típico que ameaça os psicólogos: a inflação. Aquele que não conhece por experiência própria o efeito numinoso dos arquétipos terá dificuldade em escapar a essa ação negativa se encontrar-se, na prática, confrontando com eles. Ele os superestimará ou subestimará pelo fato de dispor somente de uma noção intelectual, sem nenhuma medida empírica. É aqui que começam — não só para o médico — essas perigosas aberrações, a primeira das quais consiste em tentar dominar tudo pelo intelecto.

O deslocamento para o conceitual tira à experiência sua substância para atribuí-la a um simples nome que, a partir desse instante, é posto em lugar da realidade. Uma noção não obriga ninguém, e é precisamente esta satisfação que se procura, uma vez que ela promete proteger contra a experiência. Ora, o espírito não vive através dos conceitos, mas através dos fatos e das realidades. Não é com palavras que se afasta um cão do fogo. E no entanto esse processo é repetido, infinitamente.”

 

JUNG, Carl Gustav. Memórias, sonhos, reflexões. Ed. Nova Fronteira, 2019, Local Kindle 2726-2745.

Atividade Psiquiátrica

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