Passei dias entregue a profundas reflexões sobre a vida. No íntimo, grande ansiedade de rever o lar terreno. Abstinha-me, porém, de pedir novas concessões. Os benfeitores do Ministério do Auxílio eram excessivamente generosos para comigo. Adivinhavam-me os pensamentos. Se até ali não me haviam proporcionado satisfação espontânea a semelhante desejo, é que tal propósito não seria oportuno. Calava-me, então, resignado e algo triste. Lísias fazia
o possível por alegrar-me com os seus pareceres consoladores.
EU ESTAVA, PORÉM, NESSA FASE DE RECOLHIMENTO INEXPRIMÍVEL, EM QUE O HOMEM É CHAMADO PARA DENTRO DE SI MESMO, PELA CONSCIÊNCIA PROFUNDA.
Um dia, contudo, o bondoso visitador penetrou
radiante no meu apartamento, exclamando:
— Adivinhe quem chegou à sua procura! Aquela fisionomia
alegre, aqueles olhos brilhantes de Lísias não me enganavam.
— Minha mãe! — respondi confiante. Olhos arregalados de
alegria, vi minha mãe entrar de braços estendidos.
— Filho! Meu filho! Vem a mim, querido meu!
Não posso dizer o que se passou então. Senti-me criança, como no tempo em que brincava à chuva, pés descalços, na areia do jardim. Abracei-me a ela carinhoso, chorando de júbilo, experimentando os mais sagrados transportes da ventura espiritual. Beijei-a repetidas vezes, apertei-a nos braços, misturei minhas lágrimas com as suas lágrimas, e não sei quanto tempo estivemos juntos, abraçados.
TAMBÉM EU TRABALHO, POIS, REAJUSTANDO O CORAÇÃO.
Tuas lágrimas fazem-me voltar à paisagem dos sentimentos humanos. Alguma coisa tenta operar o retrocesso de minha alma. Quero dar razão aos teus lamentos, erigir-te um trono, qual se foras a melhor criatura do universo, mas essa atitude, presentemente, não se coaduna com as novas lições da vida.
Esses gestos são perdoáveis nas esferas da carne; aqui, porém, filho meu, é indispensável atender, antes de tudo, ao Senhor. Não és o único homem desencarnado a reparar os próprios erros, nem sou a única mãe a sentir-se distante dos entes amados. Nossa dor, portanto, não nos edifica pelos prantos que vertemos, ou pelas feridas que sangram em nós, mas pela porta de luz que nos oferece ao espírito, a fim de sermos mais compreensivos e mais humanos.
XAVIER, Francisco Cândido / André Luiz. Nosso Lar. 1. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1944. Edição Kindle.
CAPÍTULO 15 | A VISITA MATERNA