O servidor fez um gesto de escrúpulo e explicou:

— Segundo as ordens que nos regem, não pude fazê-lo, porque
a pobrezinha está rodeada de pontos negros.

Deparou-se-nos, então, a miserável figura da mulher que implorava socorro do outro lado. Nada vi senão o vulto da infeliz, coberta de andrajos, rosto horrendo e pernas em chaga viva, mas Narcisa parecia divisar outros detalhes, imperceptíveis ao meu olhar(…)

Narcisa, por sua vez, mostrava-se comovida,
mas falou em tom confidencial:

— Não está vendo os pontos negros?

— Não — respondi.

— Sua visão espiritual ainda não
está suficientemente educada.

Chegados à cancela, o irmão Paulo, orientador dos vigilantes, examinou atentamente a recém-chegada do Umbral e disse:

— Esta mulher, por enquanto, não pode receber nosso socorro. Trata-se de um dos MAIS FORTES VAMPIROS que tenho visto até hoje. É preciso entregá-la à própria sorte.

Senti-me escandalizado. Não seria faltar aos deveres cristãos abandonar aquela sofredora ao azar do caminho? (…)

— Já notou, Narcisa, alguma coisa além dos pontos negros?

Baixando o tom de voz, recomendou:

— Conte as manchas pretas.

Narcisa fixou o olhar na infeliz e respondeu, após alguns instantes:

— Cinquenta e oito.

— Esses pontos escuros representam 58 crianças assassinadas ao nascerem. Em cada mancha vejo a imagem mental de uma criancinha aniquilada, umas por golpes esmagadores, outras por asfixia. Essa desventurada criatura foi profissional de ginecologia.

A pretexto de aliviar consciências alheias, entregava-se a crimes nefandos, explorando a infelicidade de jovens inexperientes. A situação dela é pior que a dos suicidas e homicidas, que, por vezes, apresentam atenuantes de vulto.

— NÃO FALO AQUI DE PROVIDÊNCIAS LEGÍTIMAS, QUE CONSTITUEM ASPECTOS DAS PROVAÇÕES REDENTORAS; refiro-me ao crime de assassinar os que começam a trajetória na experiência terrestre, com o direito sublime da vida.

— Observaram o vampiro? Exibe a condição de criminosa e declara-se inocente; é profundamente má e afirma-se boa e pura; sofre desesperadamente e alega tranquilidade; criou um inferno para si própria e assevera que está procurando o Céu.

XAVIER, Francisco Cândido / André Luiz. Nosso Lar. 1. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1944. Edição Kindle.

CAPÍTULO 31 | VAMPIRO

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