Eu não sabia explicar a grande atração pela visita ao departamento feminino das Câmaras de Retificação. Falei a Narcisa do meu desejo, prontificando-se ela a satisfazer-me.

— QUANDO O PAI NOS CONVOCA A DETERMINADO LUGAR — DISSE, BONDOSA —, É QUE LÁ NOS AGUARDA ALGUMA TAREFA. Cada situação, na vida, tem finalidade definida… Não deixe de observar este princípio em suas visitas aparentemente casuais. Desde que nossos pensamentos visem à prática do bem, não será difícil identificar as sugestões divinas.

Era Elisa. Aquela mesma Elisa que conhecera nos tempos de rapaz. Estava modificada pelo sofrimento, mas não podia ter quaisquer dúvidas. Lembrei, perfeitamente, o dia em que ela, humilde, penetrara em nossa casa levada por velha amiga de minha mãe, que aceitou as recomendações trazidas, admitindo-a para os serviços domésticos.

(…) quando a sós comigo, comentava sem escrúpulo certas aventuras da sua mocidade, agravando com isso a irreflexão de nossos pensamentos. Recordei o dia em que minha genitora me chamou a conselhos justos. Aquela intimidade, dizia, não ficava bem. Era razoável que dispensássemos à serva generosidade afetuosa,
mas convinha pautar nossas relações com sadio critério.
Entretanto, estouvadamente, levara eu muito
longe a nossa camaradagem.

(…) abandonou Elisa, mais tarde, a nossa casa,
sem coragem de me lançar em rosto qualquer acusação.
E o tempo passou, reduzindo o fato, em meu pensamento,
a episódio fortuito da existência humana. (…) À minha frente tinha Elisa, agora, vencida e humilhada!

Ah!… naquele caso, não me defrontava o Silveira, perto de quem pudera repartir o débito com meu pai.
A DÍVIDA, AGORA, ERA INTEIRAMENTE MINHA.

Cheguei a tremer, envergonhado da exumação daquelas reminiscências, mas, qual criança ansiosa de perdão pelas faltas cometidas, dirigi-me a Narcisa, pedindo orientação. Eu mesmo me admirava da confiança que aquelas santas mulheres me inspiravam. Talvez nunca tivesse coragem de pedir ao ministro Clarêncio as elucidações que pedira à mãe de Lísias e, possivelmente, outra seria minha conduta, naquele instante, se tivesse Tobias a meu lado.

— Não precisa continuar. Adivinho o epílogo da história. Não se entregue a pensamentos destrutivos. Conheço o seu martírio moral, de experiência própria. Entretanto, se o Senhor permitiu que reencontrasse agora esta irmã, é que já o considera em condições de resgatar a dívida.

— Não tema. Aproxime-se dela e reconforte-a. Todos nós, meu irmão, encontramos no caminho os frutos do bem ou do mal que semeamos. ESTA AFIRMATIVA NÃO É FRASE DOUTRINÁRIA, É REALIDADE UNIVERSAL.

(…) Bem-aventurados os
devedores em condições de pagar.

— Pois bem — continuei, comovido —, até agora, não tenho propriamente uma família em Nosso Lar.
Mas você será aqui minha irmã do coração. Conte com o meu devotamento de amigo.

XAVIER, Francisco Cândido / André Luiz. Nosso Lar. 1. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1944. Edição Kindle.

CAPÍTULO 40 | QUEM SEMEIA COLHERÁ

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