Talvez que a praticantes do Espiritismo não fosse tão surpreendente a reunião a que compareci, em casa de Lísias. Aos meus olhos, porém, o quadro era inédito e interessante. Na espaçosa sala de estar, reunia-se pequena assembleia de pouco mais de trinta pessoas.
Enfileiravam-se poltronas confortáveis, doze a doze, diante do estrado, onde o ministro Clarêncio assumira posição de diretor, cercando-se da senhora Laura e dos filhos. À distância de quatro metros, aproximadamente, HAVIA UM GRANDE GLOBO CRISTALINO, da altura de dois metros presumíveis, envolvido, na parte inferior, em longa série de fios que se ligavam a pequeno aparelho, idêntico aos nossos alto-falantes.
— Estamos prontos; contudo, aguardamos a ordem da Comunicação. Nosso irmão Ricardo está na fase da infância terrestre
e não lhe será difícil desprender-se dos elos físicos,
mais fortes, por alguns instantes.
— Mas virá ele até aqui? — indaguei.
— Como não? — revidou o interlocutor. —
Nem todos os encarnados se agrilhoam ao solo da Terra. Como os pombos-correio que vivem, por vezes, longo tempo de serviço, entre duas regiões, Espíritos há que vivem por lá entre dois mundos.
— Ali está a câmara que no-lo apresentará.
— Por que o globo cristalino? — perguntei curioso. — Não poderia manifestar-se sem ele?
— É preciso lembrar — disse Nicolas, atenciosamente — que a
nossa emotividade emite forças suscetíveis de perturbar. Aquela pequena câmara cristalina é constituída
de material isolante. Nossas energias mentais não poderão atravessá-la.
Verifiquei, no relógio de parede, que estávamos com quarenta minutos depois da meia-noite. Notando-me o olhar interrogativo, disse Nicolas em voz baixa:
— SOMENTE AGORA HÁ BASTANTE PAZ NO
RECENTE LAR DE RICARDO, LÁ NA TERRA.
Naturalmente, a casa descansa, os pais dormem, e ele, na nova fase, não permanece inteiramente junto ao berço…
Não lhe foi possível continuar. O ministro Clarêncio, levantando-se, pediu homogeneidade de pensamentos e verdadeira fusão de sentimentos.
Observei, então, com surpresa, que as filhas e a neta da senhora Laura, acompanhadas de Lísias, abandonavam o estrado, tomando posição junto dos instrumentos musicais. Judite, Iolanda e Lísias se encarregaram, respectivamente, do piano, da harpa e da cítara, ao lado de Teresa e Eloísa, que integravam o gracioso coro familiar. As cordas afinadas casaram os ecos de branda melodia e a música elevou-se, cariciosa e divina, semelhante a gorjeio celeste.
Às derradeiras notas da bela composição, notei que o globo se cobria, interiormente, de substância leitoso-acinzentada, apresentando, logo em seguida, A FIGURA SIMPÁTICA DE UM HOMEM NA IDADE MADURA. ERA RICARDO.
Era Clarêncio, que me falou em tom amável:
— André, amanhã acompanharei nossa irmã Laura à esfera carnal. Se lhe apraz, poderá vir conosco para visitar sua família.
Não podia ser maior a surpresa.
— Você tem regular quantidade de horas de trabalho extraordinário a seu favor. Não será difícil a Genésio conceder-lhe uma semana de ausência, depois do primeiro ano de cooperação ativa.
Possuído de júbilo intenso, agradeci,
chorando e rindo ao mesmo tempo.
XAVIER, Francisco Cândido / André Luiz. Nosso Lar. 1. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1944. Edição Kindle.
CAPÍTULO 48 | CULTO FAMILIAR