(…) cansadíssimo. COMEÇAVA A COMPREENDER O VALOR DO ALIMENTO ESPIRITUAL, POR MEIO DO AMOR E DO ENTENDIMENTO RECÍPROCOS. Em Nosso Lar, atravessava dias vários de serviço ativo, sem alimentação comum, no treinamento de elevação a que muitos de nós se consagravam. Bastava-me a presença dos amigos queridos, as manifestações de afeto,
a absorção de elementos puros pelo ar e pela água,
mas ali não encontrava senão escuro campo de batalha, onde os entes amados se convertiam em verdugos.
Compreendia, finalmente, as necessidades humanas.
Não era proprietário de Zélia, mas seu irmão e amigo.
Não era dono de meus filhos,
e sim companheiros de luta e realização.
Recordei que a senhora Laura, certa feita, me afirmara que toda criatura, no testemunho, deve proceder como a abelha, acercando-se das flores da vida, que são as almas nobres, no campo das lembranças, extraindo de cada uma a substância dos bons exemplos, para adquirir o mel da sabedoria.
Apliquei ao meu caso o proveitoso conselho e comecei recordando minha mãe. Não se sacrificara ela por meu pai, a ponto de adotar mulheres infelizes como filhas do coração?
NOSSO LAR ESTAVA REPLETO
DE EXEMPLOS EDIFICANTES.
A ministra Veneranda trabalhava séculos sucessivos pelo grupo espiritual que lhe estava mais particularmente ligado ao coração. Narcisa sacrificava-se nas Câmaras para obter endosso espiritual, de regresso ao mundo, em tarefa de auxílio. A senhora Hilda vencera o dragão do ciúme inferior. E a expressão de fraternidade dos demais amigos da colônia? Clarêncio me acolhera com devotamento de pai; a mãe de Lísias me recebera como filho; Tobias, como irmão.
Cada companheiro de minhas novas lutas me oferecia algo de útil à construção mental diferente, que se erguia, célere, no meu espírito.
Roguei ao Senhor energias necessárias para manter a compreensão imprescindível e passei a interpretar os cônjuges como se fossem meus irmãos. Reconheci que Zélia e Ernesto se amavam intensamente. E, se de fato me sentia companheiro fraternal de ambos, devia auxiliá-los com os recursos ao meu alcance.
Nessa emergência, lembrei certa lição de Tobias, quando me dissera: “Aqui, em Nosso Lar, nem todos necessitam do aeróbus para se locomover, porque os habitantes mais elevados da colônia dispõem do poder de volitação; e nem todos precisam de aparelhos de comunicação para conversar a distância, por se manterem, entre si, num plano de perfeita sintonia de pensamentos. Os que se encontrem afinados desse modo, podem dispor, à vontade, do processo de conversação mental, apesar da distância”.
Lembrei quanto me seria útil a colaboração
de Narcisa e experimentei.
Aconteceu, então,
o que não poderia esperar.
Passados vinte minutos,
mais ou menos, quando ainda não havia retirado a mente da rogativa, alguém me tocou de leve no ombro.
Era Narcisa que atendia, sorrindo:
— OUVI SEU APELO MEU AMIGO,
E VIM AO SEU ENCONTRO.
Não cabia em mim de contentamento.
A mensageira do bem fixou o quadro, compreendeu a gravidade do momento
e acrescentou:
— Não temos tempo a perder.
Antes de tudo, aplicou passes de reconforto ao doente, isolando-o das formas escuras, que se afastaram como por encanto.
Em seguida convidou-me com decisão:
— Vamos à natureza.
Acompanhei-a sem hesitação, e ela,
notando-me a estranheza, acentuou:
— Não só o homem pode receber fluidos e emiti-los.
As forças naturais fazem o mesmo, nos reinos diversos em que se subdividem. Para o caso do nosso enfermo, precisamos das árvores. Elas nos auxiliarão eficazmente.
Chegados a local onde se alinhavam enormes frondes, Narcisa chamou alguém, com expressões que eu não podia compreender. Daí a momentos, oito entidades espirituais atendiam-lhe ao apelo. Imensamente surpreendido, vi-a indagar da existência de mangueiras e eucaliptos. Devidamente informada pelos amigos, que me eram totalmente estranhos, a enfermeira explicou:
—SÃO SERVIDORES COMUNS DO REINO VEGETAL,
OS IRMÃOS QUE NOS ATENDERAM.
E, à vista da minha surpresa, rematou:
— Como vê, nada existe de inútil na Casa de Nosso Pai.
Em toda parte, se há quem necessite aprender,
há quem ensine; e onde aparece a dificuldade,
surge a Providência.
Narcisa manipulou, em poucos instantes, certa substância com as emanações do eucalipto e da mangueira e, durante toda a noite, aplicamos o remédio ao enfermo, POR INTERMÉDIO DA RESPIRAÇÃO COMUM
E DA ABSORÇÃO PELOS POROS.
O enfermo experimentou melhoras sensíveis. Pela manhã, cedo, o médico observou, extremamente surpreendido:
— Verificou-se esta noite extraordinária reação!
Verdadeiro milagre da natureza!
Por minha vez, experimentava grande júbilo na alma.
Profundo alento e belas esperanças revigoravam-me o ser. Reconhecia, eu mesmo, que vigorosos laços de inferioridade se haviam rompido dentro de mim, para sempre.
Nesse dia, voltei a Nosso Lar em companhia de Narcisa e, pela primeira vez, experimentei a capacidade de volitação.
— Em Nosso Lar, grande parte dos companheiros poderia dispensar o aeróbus e transportar-se, à vontade, nas áreas de nosso domínio vibratório, mas, visto a maioria não ter adquirido essa faculdade, todos se abstêm de exercê-la em nossas vias públicas. Essa abstenção, todavia, não impede que utilizemos o processo longe da cidade, quando é preciso ganhar distância e tempo.
“Como é grande a Providência divina!”
— dizia, a monologar intimamente.
“Com que sabedoria dispõe o Senhor
todos os trabalhos e situações da vida!
Com que amor atende a toda a Criação!”
Algo, porém, me arrancou da meditação a que me recolhera.
Mais de duzentos companheiros vinham ao meu encontro.
Todos me saudavam, generosos e acolhedores. Lísias, Lascínia, Narcisa, Silveira, Tobias, Salústio e numerosos cooperadores das Câmaras ali estavam. Não sabia que atitude assumir, colhido, assim, de surpresa.
Foi, então, que o ministro Clarêncio, surgindo à frente de todos, adiantou-se, estendeu-me a destra e falou:
— Até hoje, André, você era meu pupilo na cidade, mas, doravante, em nome da Governadoria, declaro-o cidadão de Nosso Lar.
XAVIER, Francisco Cândido / André Luiz. Nosso Lar. 1. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1944. Edição Kindle.
CAPÍTULO 50 | CIDADÃO DE “NOSSO LAR”