“(…) o amor e/ou a luxúria são agentes de solutio. Isso corresponde ao fato de um problema ou um estágio psíquico específico de desenvolvimento com frequência permanecerem presos ou paralisados enquanto o paciente está apaixonado. Depois, subitamente, o problema se dissolve. Apesar de novas complicações se manifestarem, a vida volta a fluir, pois foi liquefeita.
Um alquimista definiu a solutio da seguinte maneira: “A solução é a ação de todo corpo que, graças a certas leis de simpatia inata, incorpora algo de classe inferior à sua própria essência.”(…) o agente da dissolução será um ponto de vista superior, mais abrangente capaz de atuar como recipiente para a coisa inferior. O conceito junguiano de “conteúdo e continente” aplica-se aqui. Diz ele que, ao relacionar-se com uma personalidade mais complexa, “a personalidade mais simples é cercada, senão efetivamente submergida, por aquela; é engolida pelo seu parceiro mais complexo e não pode ver a saída. Trata-se de ocorrência quase regular, para uma mulher, o ser toda contida, em termos espirituais, em seu marido, e, para o marido, o ser contido por inteiro, em termos emocionais, em sua mulher. Podemos descrever isso como o problema do conteúdo e do ‘continente “.
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Aquilo que é mais amplo e abrangente do que o ego ameaça dissolvê-lo. No mundo interior, o inconsciente, na qualidade de Si-mesmo ou totalidade da psique latente, pode dissolver o ego. No mundo exterior, um indivíduo dotado de consciência mais ampla do que o outro pode provocar solutio. (…)A identificação com partidos políticos ou credos religiosos exemplificaria a solutio no interior de um grupo.
No processo da psicoterapia é comum acontecer de o ego do paciente encontrar no terapeuta um ponto de vista mais amplo de efeito dissolutivo. Esse evento leva com frequência a um estado parcial de contenção do paciente pelo terapeuta e é uma causa comum da transferência. Sempre que encontra uma atitude mais ampla que inclui os opostos, uma atitude unilateral, caso esteja aberta à sua influência, é dissolvida por ela e entra num estado de solutio. Isso explica o porquê de um ponto de vista mais abrangente costumar ser experimentado como ameaça. A pessoa tem a sensação de estar se afogando e, por essa razão, resiste. Tal resistência é válida e necessária, devendo ser respeitada. O psicoterapeuta sempre deve estar alerta para a possibilidade de o paciente poder precisar de proteção diante de sua atitude. O agente da solutio é, basicamente, o Si-mesmo, experimentado, quer a partir de dentro, quer como uma projeção de um indivíduo ou de um grupo, de fora. Como diz Jung: “O ego está contido no Si-mesmo da mesma maneira como o está no universo, de que conhecemos, tão-somente, a mais insignificante parcela. (Uma pessoa pode servir a essa mesma função de continente porque) um homem mais perspicaz e inteligente do que eu pode me conhecer, mas eu não o posso conhecer, tendo em vista que a minha consciência é inferior à sua.”
O banho, o aguaceiro, o chuvisco, a natação, a imersão na água, etc. são equivalentes simbólicos da solutio que costumam aparecer em sonhos. Todas essas imagens relacionam-se com o simbolismo do batismo, que significa uma purificadora e rejuvenescedora imersão numa energia e num ponto de vista que transcendem o ego, uma verdadeira sequência de morte e renascimento.”
EDINGER, Edward F. Anatomia da Psique. O Simbolismo Alquímico na Psicoterapia, Ed. Cultrix 2006, Pág.75-77.
Capítulo 3 Solutio