“Como me Tornei um Místico:
Notas para uma Autobiografia Intelectual Por Camille Flammarion
Muitos escritores independentes, alguns filósofos e certos jornalistas perguntam com frequência como é possivel que jovens com sólidos princípios na “razão plausível” mais adequada e protegidos da “superstição” possam repentinamente abandonar esses ensinamentos positivistas e passar ao estudo de assuntos místicos, tornando-se mais interessados em fenômenos religiosos e filosóficos que em movimentos políticos, avançando em seus estudos extravagantes até chegar à pesquisa sobre ciências ocultas e magia, o que indica, se não uma aberração total, pelo menos o enfraquecimento das faculdades mentais
(…)Se os filósofos não se interessarem por esse relato, talvez ele seja proveitoso para os psiquiatras, já que em certos círculos se acredita que todos os espiritualistas são degenerados, quando não psicóticos.
(…)
Encontrei essa mesma descoberta, que pensava ter feito sozinho, nas obras de Louis Lucas, nos textos herméticos e, mais tarde, nas tradições indianas e na cabala hebraica. Apenas o idioma era diferente; onde escrevemos HCL, os alquimistas desenham um leão verde, e onde escrevemos 2HCL + Fe = FeCl + H₂, os alquimistas desenham um guerreiro (Marte, Ferro) devorado pelo leão verde (ácido).
Em poucos meses, esses complicados grimórios se tornaram tão acessíveis para mim quanto as obras de nossos pedantes químicos contemporâneos, ainda mais obscuras que os referidos grimórios. E, além disso, estava aprendendo a manipular o maravilhoso método analógico, tão pouco conhecido pelos filósofos modernos, que permite unificar todas as ciências em uma sintese comum. Esse método demonstra que os antigos foram pura e simplesmente caluniados, do ponto de vista científico, pela crassa ignorância histórica dos professores das disciplinas de ciência de nosso tempo.
(…)
Sempre tive o hábito perigoso de nunca aceitar uma ideia antes de tê-la estudado pessoalmente por todos os ângulos.
Os experimentos de Flourens mostraram que nossas células se renovam após um período que não excede três anos para um ser humano. Quando encontro um amigo que não vejo há três anos, não há nele uma única célula material que existia da última vez em que nos encontramos. E, no entanto, as formas do corpo e a semelhança que me permitem reconhecer que meu amigo ainda existe são conservadas. Qual foi, então, o órgão que presidiu à conservação de suas formas quando nenhum órgão do corpo escapa a essa lei? Esse argumento foi sempre um dos que mais me impressionaram. Mas devo prosseguir.
Claude Bernard, ao estudar as relações entre a atividade cerebral e a produção de uma ideia, chegou à conclusão de que o nascimento de cada ideia causava a morte de uma ou mais células nervosas à medida que essas células, que foram e ainda são o baluarte do argumento materialista, indicavam, na verdade, segundo suas pesquisas, o papel de instrumentos e não de agentes produtores. A célula nervosa é o meio para a manifestação de uma ideia, mas não gera a ideia em si. Uma nova observação apareceu agora para apoiar o valor desse argumento.
Todas as células do ser humano são substituídas depois de algum tempo. Todavia, quando me lembro de algo acontecido há dez anos, a célula nervosa que na época registrou a ocorrência foi substituida cem ou mil vezes. Como a memória é conservada intacta ao longo das mortes incontáveis de tantas células? O que acontece, nesse caso, com a teoria da célula que gera ideias e memórias?
(…) o materialismo estava conduzindo seus adeptos por um caminho falso, ao confundir o instrumento inerte com o agente efetivo da ação.
A prova de que o próprio instrumento telegráfico cria o telegrama é que qualquer dano no instrumento telegráfico afeta a transmissão do telegrama, e, se eu cortar o fio telegráfico o telegrama não poderá mais ser transmitido.
Esse é precisamente o valor do raciocínio dos materialistas: eles se esquecem do telegrafista, ou querem ignorar sua existência.
O cérebro está para o princípio espiritual que existe em nós exatamente como o instrumento transmissor está para o telegrafista. A comparação é antiga, mas ainda excelente.
Assim como podemos observar que as células materiais do corpo são apenas as ferramentas de algo que conserva a forma corporal ao longo de várias mortes celulares, também podemos ver que os centros nervosos são apenas as ferramentas de algo que usa esses centros como meios de ação ou recepção.
O anatomista, munido do bisturi, não descobrirá a alma dissecando um cadáver, assim como um operário munido de alicates não descobrirá o telegrafista ao desmontar um instrumento telegráfico, nem o pianista ao desmontar um piano.
(…)nem sempre acertamos ao dizer que a fé é uma graça especial, concedida somente a uns poucos; estou persuadido, com base no que chamo de minha evolução pessoal, de que a fé se adquire pelo estudo, como todo o restante.
Essa teoria supõe que, entre o corpo físico e a anatomia, de um lado, e o espírito imortal e a psicologia, de outro, existe um princípio intermediário, oriundo do domínio da fisiologia, cuja tarefa é coordenar as relações entre os dois extremos.
Esse princípio, conhecido hoje pelo nome de vida orgânica e que atua exclusivamente sobre órgãos de musculatura lisa por intermédio do grande nervo simpático, possui, em minha opinião, uma existência bem definida e nada tem a ver com deduções metafísicas.
Os antigos hermetistas chamavam esse princípio de corpo formativo ou corpo astral, atribuindo-lhe a continuidade das formas orgânicas.”
PAPUS.Tratado elementar de ciências ocultas, Ed. Pensamento, 2022, Pág.293-299.
Apêndice III