Modo maquinal

“Produzir significa originalmente exibir e tornar visível. No pornô, o sexo é produzido, exibido, apanhado em uma visibilidade total. No pornô dos dias de hoje, até mesmo a ejaculação não ocorre no oculto. É igualmente produzida. O resultado final do desempenho não deve permanecer ocultado. Quanto mais farto se precipita o produto, mais capaz de desempenho é seu produtor. Ele se produz diante dos olhos de sua parceira como coprodutora do processo pornográfico. O ato sexual no pornô atual ocorre de modo maquinal. O princípio do desempenho abrange também o sexo.

Vivemos hoje em um tempo pós-sexual. O excesso de visibilidade, a superprodução pornográfica do sexo põe-lhe um fim. O pornô destrói a sexualidade e o erótico de modo de modo mais eficaz do que a moral e a repressão.”

HAN, Byung-Chul.O desaparecimento dos rituais: Uma topologia do presente. Ed. Vozes, 2021, Local 1294-1321.

Da sedução ao pornô

Produtor autônomo do conhecimento

“Hoje se consuma em silêncio outra mudança de paradigma. À virada copernicana-antropológica que elevou o ser humano a produtor autônomo do conhecimento sucede a virada dataísta. O ser humano deve se regular pelos dados. Ele abdica de ser produtor de conhecimento, entregando sua soberania aos dados. O dataísmo põe um fim no idealismo e no humanismo do Esclarecimento. O ser humano não é mais um sujeito soberano do conhecimento, artífice do saber. O saber é produzido, então, apenas maquinalmente. A produção de saber por dados ocorre sem o sujeito ou a consciência humanos. Quantidades descomunais de dados suplantam o ser humano de sua posição central como produtor de saber.

O saber produzido por Big Data se despoja dos conceitos. É por demais módica a capacidade das faculdades do conhecimento humanas. Processadores são mais rápidos do que os humanos justamente por isto, pois não pensam ou concebem, somente calculam.

(…)

Da transparência como imperativo dataísta parte a coação de converter tudo em dados e informações, quer dizer, em visível. É uma coação da produção. A transparência não considera que o ser humano é livre, somente os dados e as informações o são. É uma forma de domínio eficiente, na qual a comunicação total e a vigilância total viram uma coisa só. O domínio se oferece como liberdade. Big Data gera um saber que torna possível o domínio intervir na psique humana e dirigi-la.

(…)

A coação de produção destrói o espaço para jogos e narrativas. O trabalho algoritmo do cálculo não é narrativo, mas meramente aditivo. Pode ser, por isso, acelerado à vontade. O pensamento, em contrapartida, não permite qualquer aceleração. Teorias apresentam ainda traços narrativos. Algoritmos calculam, mas não contam.”

HAN, Byung-Chul.O desaparecimento dos rituais: Uma topologia do presente. Ed. Vozes, 2021, Local 1199-1214.

Do mito ao dataísmo

O belo apraz o sujeito,

“O belo apraz o sujeito, criando um prazer, pois estimula o concerto [Zusammenspiel] harmônico das faculdades do entendimento. Embora o belo não produza por si nenhum conhecimento, ele entretém o mecanismo do conhecimento.”

HAN, Byung-Chul.O desaparecimento dos rituais: Uma topologia do presente. Ed. Vozes, 2021, Local 1177.

Do mito ao dataísmo

Produção e ritual excluem-se mutualmente

“A tese de Marshall McLuhan de que “o meio é a mensagem” vale também para as armas como meio. O meio não é um mero portador de uma mensagem. Ao contrário, a mensagem é criada pelo próprio meio. O meio não é um recipiente neutro que transporta diferentes conteúdos. Ao contrário, um novo meio produz um conteúdo particular, por exemplo, uma nova percepção.”

“Produção e ritual excluem-se mutualmente.”

HAN, Byung-Chul.O desaparecimento dos rituais: Uma topologia do presente. Ed. Vozes, 2021, Local 1074-1109.

Do duelo à guerra de drones

Pacotes japoneses

“Os japoneses levam qualquer coisa insignificante em um invólucro magnífico. Para Roland Barthes, a particularidade dos pacotes japoneses consiste em “que a insignificância das coisas não tem uma relação com o trabalho que o embrulho requer”. Expresso de modo semiótico: o significante (o invólucro) é mais importante do que o que ele designa, ou seja, do que o significado, o conteúdo.”

HAN, Byung-Chul.O desaparecimento dos rituais: Uma topologia do presente. Ed. Vozes, 2021, Local 933.

Império dos Signos

Nenhuma magia

“O trabalho moroso da unificação de significados e significantes, que é o trabalho da razão, freia e reabsorve esse excesso fatal. A sedução mágica do mundo deve ser reduzida e até mesmo eliminada. Isso irá então acontecer quando todo significante obter seu significado e tudo se tornar sentido e realidade”

A funcionalização e informacionalização crescentes da linguagem tem anulado o excesso, o excedente de significante. A linguagem vai ficando, nesse processo, desencantada. A informação pura não emana nenhuma magia.”

HAN, Byung-Chul.O desaparecimento dos rituais: Uma topologia do presente. Ed. Vozes, 2021, Local 910-919.

Império dos Signos

Os poemas

“Os poemas também são estruturas de forma rígida que brilham para si. Em geral, não comunicam nada. É o excedente, o luxo do significante que os caracteriza. Desfrutamos sobretudo sua perfeição da forma. Nos poemas, a linguagem joga. Por esse motivo, hoje não temos mais lido poemas. Poemas são cerimônias mágicas da linguagem. O princípio poético restitui à linguagem o desfrute, na medida em que quebra radicalmente com a economia da produção de sentido. O poético não produz.”

HAN, Byung-Chul.O desaparecimento dos rituais: Uma topologia do presente. Ed. Vozes, 2021, Local 888.

Império dos Signos

Sensação anárquica

“Schroeter descreve a liberdade para a morte como uma sensação anárquica: “Não tenho medo da morte. Talvez seja arrogante dizer, mas é a verdade. Encarar a morte com serenidade é uma sensação anárquica que constitui um perigo para a sociedade existente”

HAN, Byung-Chul.O desaparecimento dos rituais: Uma topologia do presente. Ed. Vozes, 2021, Local 761.

Jogo de Vida e Morte

Vida sagrada

“A uma sociedade que professa a mera vida como sagrada, um ritual como esse pode apenas parecer pura loucura, teatro de crueldade. A sociedade obcecada pela produção não tem acesso ao jogo forte, à morte como intensidade de vida. Numa sociedade arcaica como aquela, se sacrifica mais do que se produz. Sacrificium (sacrifício) significa geração de coisas sagradas. O sagrado pressupõe uma desprodução. A totalização da produção dessacraliza a vida.

A sociedade da produção é dominada pelo medo da morte. O capital opera como uma garantia contra a morte. É imaginado como tempo acumulado, pois com dinheiro se pode pôr outros para trabalhar por si, ou seja, comprar tempo. O capital infinito cria a ilusão de um tempo infinito. O capital trabalha contra a morte como prejuízo absoluto. Ele tem que suprassumir o tempo limitado de vida.”

HAN, Byung-Chul.O desaparecimento dos rituais: Uma topologia do presente. Ed. Vozes, 2021, Local 722-731.

Jogo de Vida e Morte

A glória do jogo

“A glória do jogo é acompanhada da soberania, que não significa outra coisa do que estar livre da necessidade, da coação e da utilidade. A soberania desvela uma alma “que está além da preocupação da necessidade”. Justamente a coação de produção destrói a soberania como forma de vida. A soberania dá lugar a uma nova submissão que se vende, no entanto, como liberdade. O sujeito do desempenho neoliberal é um servo absoluto, na medida em que, sem os senhores, explora-se voluntariamente.”

HAN, Byung-Chul.O desaparecimento dos rituais: Uma topologia do presente. Ed. Vozes, 2021, Local 690-694.

Jogo de Vida e Morte