A sociedade que vem de Novalis

“A sociedade que vem de Novalis se baseia em um ethos da amabilidade, que desfaz isolamentos, tensões e alienações. Ela é um tempo da reconciliação e da paz. Em Os discípulos em Saïs, Novalis escreve:

Ele logo notou as conexões em tudo, os encontros, reuniões. Agora não via mais nada sozinho. – As percepções de seus sentidos se aglomeravam em grandes imagens coloridas: ele ouvia, via, tocava e pensava ao mesmo tempo. Ele se alegrava de reunir estranhos. Ora as estrelas eram pessoas, ora as pessoas eram estrelas, as pedras eram animais, as nuvens, plantas.

No reino vindouro da paz, o ser humano e a natureza se reconciliam. O ser humano não é senão um concidadão em uma república dos seres vivos, da qual também fazem parte plantas, animais, pedras, nuvens e estrelas.”

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa, ou sobre a inatividade. Ed. Vozes, 2023, Local 1733.

A sociedade que vem

Não chegará nada novo

“No mundo que está por vir, tudo será como agora, não chegará nada novo, apenas um pouco diferente. Permanece obscuro o que esse “pouco diferente” deve significar. Poderia ser que as coisas no mundo por vir se relacionariam umas com as outras de modo inteiramente diferente, que adentrariam em uma nova relação? Um fragmento de Novalis pode ser lido como aquela parábola do rabino cabalista: “No mundo futuro, tudo é como no mundo de outrora – e, todavia, inteiramente diferente”

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa, ou sobre a inatividade. Ed. Vozes, 2023, Local 1722.

A sociedade que vem

A atual informatização e digitalização

“A atual informatização e digitalização do mundo levam a profanação ao extremo. Tudo toma a forma de dados e se torna calculável. Informações não são narrativas, mas aditivas. Elas não se condensam em uma narrativa, em um romance. A técnica digital se baseia em um cálculo binário. Digital se diz, em francês, numérique; ou seja, numérico. O calcular é diametralmente oposto ao narrar. Números não narram. Eles habitam o ponto zero do sentido.”

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa, ou sobre a inatividade. Ed. Vozes, 2023,, Local 1696.

A sociedade que vem

A poesia eleva todo indivíduo

A poesia eleva todo indivíduo por meio de uma conexão própria com o todo restante […], a poesia constitui a bela sociedade – família mundial – a bela família [Haushaltung] do universo. […] O indivíduo vive no todo e o todo no indivíduo. Por meio da poesia surge a simpatia e a coatividade supremas, a mais íntima comunidade.”

Visa-se a uma comunidade dos seres vivos. O indivíduo é um “órgão do todo”. O todo é um “órgão do indivíduo”. O indivíduo e o todo se interpenetram. Novalis está convencido de que a separação e o isolamento levam, em última instância, ao adoecimento dos seres humanos. A poesia é uma arte da cura, uma “grande arte da construção da saúde transcendental”. Assim, Novalis eleva os poetas à condição de “médico transcendental.

“O mundo tem de ser romantizado. Assim é possível reencontrar o sentido originário. […] Quando dou um sentido elevado ao comum, uma aparência misteriosa ao habitual, a dignidade do desconhecido ao conhecido, um brilho infinito ao finito, então eu romantizo o mundo”

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa, ou sobre a inatividade. Ed. Vozes, 2023, Local 1681-1690.

A sociedade que vem

A Sagrada Escritura

A Sagrada Escritura não precisa de nenhuma explicação. Quem fala verdadeiramente tem a plenitude da vida eterna, e sua escritura nos presenteia com uma maravilhosa união a mistérios autênticos, pois é um acorde da sinfonia do universo.”

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa, ou sobre a inatividade. Ed. Vozes, 2023, Local 1661.

A sociedade que vem

Pertencimento aberto ao Ser

“Essa ideia se baseia não no Se-querer ou na vontade de Si, mas no ser-Com ou no querer-Com: “O querer-Com […] é o abrir-se a e o deixar-se cair no Ser. O ser-Com é um dever, mas um dever que […] se origina do pertencimento aberto ao Ser [Seyn] e que regressa para este pertencimento. Esse pertencimento, porém, é a essência mais íntima da liberdade”211. A liberdade como pertencimento faz jus à ideia originária de liberdade. A palavra “livre” significa, segundo sua etimologia, estar entre amigos. Tanto a palavra alemã para liberdade, “Freiheit”, como também a palavra alemã para amigo, “Freund”, remontam à raiz indo-germânica fri, que significa amar. Liberdade é amabilidade.”

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa, ou sobre a inatividade. Ed. Vozes, 2023, Local 1635.

A sociedade que vem

A liberdade e a passividade da intuição

“A liberdade não se manifesta como ênfase da ação, mas como passividade da intuição. A ação dá lugar ao escutar: “Somente a tendência à intuição, quando direcionada ao infinito, põe a mente em liberdade ilimitada.”

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa, ou sobre a inatividade. Ed. Vozes, 2023, Local 1610.

A sociedade que vem

A demanda pelo infinito

“Não Deus, mas a demanda pelo infinito é o essencial para a religião – demanda que se preenche na intuição do universo. Escutar é o verbo para a religião, enquanto agir é o verbo para a história. No escutar como inatividade, silencia-se o Eu que é o lugar para decisões e delimitações. O Eu que escuta se mergulha no todo, no ilimitado, no infinito.

“Todo meu ser se silencia e escuta quando as ondas tenras do ar se jogam em meu peito. Perdido no imenso azul, levanto os olhos frequentemente para o éter e os inclino para o mar sagrado […]. Ser um com Tudo, isso é a vida da divindade, esse é o céu do ser humano. Ser um com Tudo que vive, regressar ao sagrado autoesquecimento no Todo da natureza, esse é o ápice dos pensamentos e alegrias, esse é o cume sagrado da montanha, o lugar do repouso eterno.”

Quem se entrega à escuta, perde-se no “todo da natureza”. Quem, em contrapartida, produz-se, põe-se à vista, é incapaz de escutar, de contemplar em uma passividade infantil. Na era da autoprodução permanente e narcisista e da autoencenação, a religião perde seu fundamento, pois a ausência de si é constitutiva da experiência religiosa. A autoprodução é mais danosa à religião do que o ateísmo.”

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa, ou sobre a inatividade. Ed. Vozes, 2023, Local 1575-1584.

A sociedade que vem

A intuição têm acesso ao universo

“Em Sobre a religião, Schleiermacher eleva a intuição contemplativa à essência da religião e a contrapõe à ação: “Sua essência não é nem pensar nem agir, mas intuição e sentimento. Ela quer intuir o universo, […] ela quer escutá-lo devotamente, ela quer apreendê-lo em sua passividade infantil e ser plenificada por suas influências imediatas”.

Segundo Schleiermacher, a religião suspende “toda atividade em uma intuição admirada do infinito”. Quem age tem um objetivo diante dos olhos e perde o todo de vista. E o pensar dirige sua atenção a apenas um objeto. Somente a intuição e o sentimento têm acesso ao universo, a saber, ao ente em sua totalidade.”

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa, ou sobre a inatividade. Ed. Vozes, 2023, Local 1565-1569.

A sociedade que vem