Fenômeno dos discos voadores

“Quando compreendi que a imagem fazia alusão a tais símbolos alquimistas centrais, e que se tratava portanto de uma visão alquimista do Cristo, fiquei tranquilo.

O ouro verde é a qualidade viva que os alquimistas discerniam não só no homem, como também na natureza inorgânica. É a expressão de um espírito de vida, a anima mundi ou filius macrocosmi, o “Anthropos” vivo no mundo inteiro. Esse espírito está contido até mesmo na matéria inorgânica; no metal ou na pedra. Assim pois, minha visão era uma união da imagem do Cristo com o seu análogo, o filho do macrocosmo, que reside na matéria. Se o ouro verde não me tivesse chamado a atenção, teria talvez acreditado que algo de essencial estava faltando à minha concepção “cristã”; em outras palavras: minha imagem tradicional seria de algum modo insuficiente e eu deveria retomar esta ou aquela fase do desenvolvimento cristão. A importância dada ao metal indicava sem dúvida a concepção alquimista do Cristo como uma unificação do que é espiritualmente vivo e da matéria fisicamente morta.

(…)

Durante esse trabalho surgiu também o problema da figura histórica do homem Jesus. Essa questão é cheia de significado, pois a mentalidade coletiva de sua época — arquétipo que então se formara, a imagem do “Anthropos” — precipitou-se sobre ele, quando ele não era mais do que um profeta judeu quase desconhecido. A antiga ideia do “Anthropos”, cujas raízes se encontram parte na tradição judaica, parte no mito egípcio de Hórus, se apoderara dos homens no começo da era cristã, pois correspondia ao espírito do tempo. Tratava-se do “Filho do Homem”, do próprio Filho de Deus, que se opunha ao divus Augustus, soberano desse mundo. Essa noção transformou o problema judaico originalmente do Messias num problema universal.

Seria um grande mal-entendido tomar como um simples “acaso” o fato de que Jesus, o filho do carpinteiro, anunciado pelo Evangelho, tenha se tornado o salvator mundi. Sua personalidade deve ter sido de uma envergadura extraordinária para poder exprimir e responder de maneira tão perfeita à expectativa geral, se bem que inconsciente, de seu tempo. Ninguém mais, senão precisamente ele, o homem Jesus, poderia ter sido o portador de tal mensagem.

O poder esmagador de Roma, encarnado no César divino, havia criado um mundo no qual não somente inúmeros indivíduos, mas povos inteiros, foram despojados da sua independência cultural e espiritual. O homem enquanto indivíduo e as comunidades culturais de hoje encontram-se diante de uma ameaça semelhante de massificação. É por isso que a possibilidade e a esperança de uma reaparição do Cristo já é discutida em muitos lugares e já se ouve mesmo um rumor visionário exprimindo uma experiência de salvação. É verdade que essa espera surge hoje sob uma forma que não é comparável à do passado, e representa um aspecto característico do “século técnico”. Trata-se do fenômeno universal dos discos voadores.”

 

JUNG, Carl Gustav. Memórias, sonhos, reflexões. Ed. Nova Fronteira, 2019, Local Kindle 3883-3907.

Gênese da obra

Gostei e vejo sentido em compartlhar essa ideiA

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