“Quando se contam histórias de fada para as crianças, elas se identificam ingênua e imediatamente e captam toda a atmosfera e sentimento que a história contém. Se a história do pobre patinho é contada, todas as crianças que têm complexo de inferioridade esperam que no fim elas também se tornem princesas. Isso funciona exatamente como deveria ser; o conto oferece um modelo para a vida, um modelo vivificador e encorajador que permanece no inconsciente contendo todas as possibilidades positivas da vida.
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Por exemplo, os dois irmãos não são capazes de aceitar os fatos: cada vez que o Tolo vence, eles querem uma outra competição, dizendo que aquilo não está certo. Mas o mais novo simplesmente faz o que tem que ser feito, até mesmo quando tem que se casar com uma rã, o que não é lá muito agradável, mas é assim que as coisas são. Obviamente, essa é a qualidade enfatizada pela história.
Podem-se sempre considerar essas histórias como se consideram os sonhos das pessoas, perguntando-se qual situação consciente é compensada por tal mito. Então, claramente, vê-se que essa história compensa a atitude consciente de uma sociedade patriarcal, cujo esquema de deveres e obrigações predominam. Ela é regida por princípios rígidos, razão pela qual a adaptação espontânea e irracional aos eventos é perdida. Histórias como esta são, estatisticamente, mais encontradas nas sociedades do homem branco do que em outras e é óbvio por que isso acontece: nós somos povos que devido a um superdesenvolvimento da cons- ciência perdemos a flexibilidade de aceitar a vida como ela é. Assim, as histórias de ingênuos ou de tolos são de especial valor para nós. Existe também um número muito grande de histórias em que o herói parece com um indivíduo completamente preguiçoso: ele contenta-se simplesmente em sentar-se perto de um fogo e ficar se coçando, e então, as coisas de que precisa caem no seu colo. Essas histórias são também compensatórias, no caso de uma atitude coletiva que enfatiza por demais a eficiência. Esses contos onde o herói é preguiçoso são, então, contados e recontados com um grande prazer pois trazem em si uma mensagem benéfica e de cura.”
FRANZ, Marie-Louise von. A interpretação dos contos de fadas. São Paulo: Paulus, 2022, pág. 84-86.