A angústia da morte

“A angústia da morte, que nos domina de um modo mais assíduo do que advertimos, é, em contrapartida, algo de secundário e deriva quase sempre do sentimento de culpa.

Por outro lado, aceitamos a morte para o estranho e o inimigo e a eles a infligimos tão prontamente e sem escrúpulos como o homem primordial. Surge aqui, decerto, uma diferença, que efetivamente se considerará decisiva. O nosso inconsciente não induz ao assas- sinato, apenas o pensa e deseja. Mas seria errado infravalorar esta realidade psíquica em comparação com a fáctica.

(…)Assim também nós próprios, julgados pelas nossas moções inconscientes, somos, como os homens primitivos, um bando de assassinos. Felizmente, tais desejos não possuem a força que os homens dos tempos primordiais ainda lhes atribuíam; de outro modo, no fogo cruzado das maldições recíprocas, a humanidade, os homens mais excelsos e sábios e também as mais belas e amorosas mulheres já há muito teriam perecido.”

FREUD, Sigmund. Porquê a Guerra? – Reflexões sobre o destino do mundo, Ed. Edições 70, 2019, pág.47-48.

Considerações atuais sobre a guerra e a morte (1915)
“A nossa atitude diante da morte”

Angústias da vontade

“As aflições e angústias da vontade nesta noite são também imensas. Algumas vezes chegam mesmo a traspassar a alma com a súbita lembrança dos males em que se vê metida, e com a incerteza de seu remédio. Ajunta-se a isto a memória das prosperidades passadas; porque, ordinariamente, as almas que entram nesta noite, já tiveram muitas consolações de Deus e prestaram-lhe grandes serviços. Sentem, portanto, maior dor, vendo-se tão alheias àqueles favores, sem poder mais recuperá-los.

“Eu sou o verão que vejo minha miséria debaixo da vara da indignação do Senhor. Ameaçou-me e levou-me às trevas e não à luz. Não fez senão virar e revirar contra mim a sua mão o dia todo! Fez envelhecer a minha pele e a minha carne, e quebrantou os meus ossos. Edificou (uma cerca) ao redor de mim e cercou-me de fel e trabalho. Colocou-me nas trevas, como os que estão mortos para sempre. Cercou-me de um muro para que não possa sair; tornou pesados os meus grilhões. E ainda que eu clame e rogue, rejeita minha oração. Fechou-me o caminho com pedras de silharia; subverteu as minhas veredas. Pôs contra mim espreitadores; tornou-se para mim qual leão de emboscada. Subverteu meus passos, e quebrantou-me; pôs-me na desolação. Armou o seu arco e pôs-me como alvo à seta. Cravou-me nas entranhas as setas da sua aljava. Tornei-me o escárnio de todo o meu povo, objeto de riso e mofa todo o dia. Encheu-me de amargura, embriagou-me com absinto. Quebrou-me os dentes e alimentou-me de cinza. Da minha alma está desterrada a paz; já não sei o que é felicidade. E eu disse: frustrado e acabado está meu fim, minha pretensão e esperança no Senhor. Lembra-te de minha pobreza e de minha aflição, do absinto e do fel. Eu repassarei estas coisas no meu coração, e minha alma definhará dentro de mim” (Lam 3, 1-20).

É justo, pois, que tenhamos muita pena e compaixão desta alma; tanto mais que, em razão da soledade e desamparo causados por esta tenebrosa noite, se lhe acrescenta o sofrimento de não achar consolo ou arrimo em nenhuma doutrina, nem em diretor espiritual algum.

Como está tão embebida e imersa no sentimento dos males em que conhece com muita evidência suas próprias misérias, parece-lhe que os outros não veem o que ela vê e sente, e assim, por não a compreenderem, falam daquele modo. Daí brota novo sofrimento: imagina que não é aquele o remédio para o seu mal, e na verdade assim é. Até que o Senhor acabe, efetivamente, de purificá-la, do modo que Ele o quer, nenhum remédio ou meio serve nem aproveita para este seu penar. Tanto mais é verdade, quanto a alma menos pode agir neste estado. Está como prisioneira em obscura masmorra, atada de pés e mãos, sem poder mover-se, nem ver coisa alguma, longe de sentir qualquer favor do céu, ou da terra. Assim há de permanecer, até que se humilhe, abrande e purifique o espírito, tornando-se ele tão simples e fino, que possa fazer um com o espírito de Deus, segundo o grau de união de amor que Ele, na Sua misericórdia, quiser conceder-lhe.

Se há de ser, porém, verdadeira purificação, durará alguns anos, por forte que seja. Contudo, no meio deles, há alternativas de consolação, nas quais, por dispensação de Deus, esta contemplação obscura cessa de investir em forma e modo de purificação, para fazê-lo de modo iluminativo e amoroso. A alma, então, como saída daquelas prisões, é posta em recreação de desafogo e liberdade, gozando e sentindo mui suave paz, na intimidade amorosa de Deus, com facilidade e abundância de comunicação espiritual. Isto é indício da saúde que a alma vai cobrando nesta purificação; bem como prenúncio da fartura que espera. Às vezes chega a ser tão grande a consolação, que lhe parece estarem terminadas as suas provações.

E assim a alma, aqui nesta purificação, vê que quer bem a Deus, e daria mil vidas por Ele (o que é bem verdade, porque no meio destes trabalhos as almas amam a Deus com todas as suas forças); contudo, não sente alívio algum, e sim ainda mais sofrimento. Pois, amando-O tanto, e não pondo em outra coisa a sua solicitude senão em Deus, vê-se ao mesmo tempo tão miserável, que não se pode persuadir do amor de Deus por ela, nem de motivo algum, presente ou futuro, para ser d’Ele amada.”

CRUZ, São João da. A noite escura da Alma. Editora Família Católica, 2018, versão Kindle, Posição: 1347-1432.

Outras maneiras de sofrimento

“O que, porém, mais faz penar esta alma angustiada, é o claro conhecimento, a seu parecer, de que Deus a abandonou, e que, detestando-a, arrojou-a nas trevas. Na verdade, grave e lastimoso sofrimento é para a alma crer que está abandonada por Deus.

Tudo isto opera Deus por meio desta obscura contemplação. Nela, não somente padece a alma o vazio e suspensão de todas as percepções e apoios naturais – padecer na verdade muito aflitivo, como se a alguém enforcassem, ou detivessem em atmosfera irrespirável, – mas também sofre a purificação divina que, à semelhança do fogo nas escórias e ferrugem do metal, vai aniquilando, esvaziando e consumindo nela todas as afeições e hábitos imperfeitos contraídos em toda a vida.”

CRUZ, São João da. A noite escura da Alma. Editora Família Católica, 2018, versão Kindle, Posição: 1292-1318.

Estratégia de dominação

“A estratégia de dominação consiste, hoje, em privatizar o sofrimento, a angústia, e, assim, ocultar sua socialidade; ou seja, impedir a sua socialização, a sua politização. A politização significa a tradução do privado no público. Hoje, se dissolve, antes, o público no privado. A esfera pública se decompõe em espaços privados.

A internet não se manifesta hoje como um espaço do agir comum e comunicativo. Antes, ela se degrada em espaços de exposição do eu, nos quais se promove, antes de tudo, a si mesmo. A internet não é, hoje, senão a câmara de ressonância do si isolado. Nenhuma propaganda escuta.”

HAN, Byung-Chul.A expulsão do outro: Sociedade, percepção e comunicação hoje. Ed. Vozes, 2022, Local 1249-1254.

Escutar

O escutar tem uma dimensão política

“O escutar tem uma dimensão política. Ele é uma ação, participação ativa na existência do outro e também no seu sofrimento. Só ele liga e medeia os seres humanos primeiramente em uma comunidade. Hoje, ouvimos muito, mas desaprendemos cada vez mais a habilidade de escutar outros e de dar escuta à sua fala, ao seu sofrimento. Hoje, cada um está, de algum modo, sozinho consigo, com seus sofrimentos, com suas angústias. O sofrimento é privatizado e individualizado.”

HAN, Byung-Chul.A expulsão do outro: Sociedade, percepção e comunicação hoje. Ed. Vozes, 2022, Local 1244.

Escutar

A angústia também desperta no limiar

“A angústia também desperta no limiar. Ela é um típico sentimento limiar. O limiar é a passagem para o desconhecido. Além do limiar, começa um estado de ser completamente diferente. No limiar, por isso, está sempre inscrita a morte. Em todos os rituais de passagens, os rites de passage, se morre uma morte a fim de renascer além do limiar. A morte é, aqui, experimentada como passagem. Quem ultrapassa o limiar passa por uma metamorfose. O limiar como lugar da metamorfose dói. Inere a ele a negatividade da dor: “Se você percebe a dor dos limiares, então não é um turista; pode haver a passagem”

HAN, Byung-Chul.A expulsão do outro: Sociedade, percepção e comunicação hoje. Ed. Vozes, 2022, Local 571.

Limiares

Angústias difusa

“Hoje, muitos são afligidos por angústias difusas, angústia de falhar, angústia de fracassar, angústia de se tornar dependente, angústia de cometer um erro ou de tomar uma decisão errada, angústia de não satisfazer as próprias expectativas. Essa angústia se fortalece por meio de uma constante comparação com o outro. Ela é uma angústia lateral, em oposição àquela angústia vertical, que desperta diante do inteiramente outro, do infamiliar, do nada.

Vivemos, hoje, em um sistema neoliberal que desmonta estruturas temporais estáveis, fragmenta o tempo de vida e faz com que o vinculante [Bindende], o vinculativo [Verbindlich] se desfaça, a fim de aumentar a produtividade. Essa política neoliberal do tempo produz angústia e insegurança. E o neoliberalismo separa seres humanos em empreendedores de si mesmo isolados. O isolamento, que caminha de mãos dadas com a falta de solidariedade e a concorrência total, produz angústia. A lógica pérfida do neoliberalismo enuncia: A angústia aumenta a produtividade.”

HAN, Byung-Chul.A expulsão do outro: Sociedade, percepção e comunicação hoje. Ed. Vozes, 2022, Local 529-533.

Angústia

A angústia de hoje

“A angústia de hoje tem uma etiologia inteiramente diferente. Ela não remete nem ao desabamento da conformidade cotidiana nem ao ser abismal. Antes, ela ocorre no interior do consenso cotidiano. Ela é uma angústia cotidiana. O seu sujeito permanece o Se: “O Eu se orienta pelo outro e chega ao arremesso quando não acredita poder mais acompanhar. […] A representação do que os outros pensam sobre alguém e sobre o que eles pensam que pensam sobre eles se torna uma fonte de angústia social. Não é a situação objetiva que enfarda a pessoa singular e a quebra, mas sim a sensação de, em comparação com seus pares significativos, de ter tirado o menor palito”

HAN, Byung-Chul.A expulsão do outro: Sociedade, percepção e comunicação hoje. Ed. Vozes, 2022, Local 518.

Angústia

Angústia em Heidegger

“A angústia tem, em Heidegger, uma relação estreita com a morte. A morte não significa o mero fim do ser, mas “uma maneira de ser”, a saber, a possibilidade extraordinária de ser si mesmo. Morrer significa: “‘Eu sou’; ou seja, eu serei meu eu mais próprio”. Em vista da morte, desperta uma “decisividade silenciosa, que exige a angústia”, para o ser-si-mesmo verdadeiramente autêntico [eigentlich]. A morte é minha morte.”

HAN, Byung-Chul.A expulsão do outro: Sociedade, percepção e comunicação hoje. Ed. Vozes, 2022, Local 462.

Angústia