“(…) a nossa indignação e a nossa dolorosa deceção, por causa da conduta incivilizada dos nossos concidadãos mundiais, são injustificadas nesta guerra. Baseiam-se numa ilusão em que nos enredámos. Na realidade, tais homens não caíram tão baixo como temíamos, porque também não tinham subido tão alto, como a seu respeito julgávamos. O facto de os grandes indivíduos humanos, os povos e os Estados, terem reciprocamente infringido as restrições morais foi para eles um estímulo compreensível para se subtraírem por algum tempo à pressão da cultura e permitirem uma satisfação passageira das suas pulsões retidas. E não perderam assim, provavelmente, a sua moralidade relativa no seio da coletividade nacional.
(…) As evoluções psíquicas possuem, de facto , uma peculiaridade que não ocorre em nenhum outro processo evolutivo. Quando uma aldeia se torna cidade ou uma criança se faz homem, a aldeia e a criança são absorvidas pela cidade e pelo homem. Só a recordação pode delinear os antigos traços na nova imagem; na realidade, os materiais ou as formas anteriores foram deixados de lado e por outros substituídos. As coisas passam-se de modo diferente numa evolução psíquica. Dada a falta de termos de comparação, limitar-nos-emos a afirmar que todo o estádio evolutivo anterior persiste ao lado do ulterior, que dele derivou, a sucessão condiciona uma coexistência, embora sejam os mesmos materiais em que decorreu toda a série de mutações. O estado psiquico anterior pode não se ter manifestado em muitos anos, no entanto, persiste de tal modo que em qualquer momento se pode tornar de novo a forma expressiva das forças anímicas, e até a única, como se todas as evoluções ulteriores se tivessem anulado ou regredido. (…) Mas os estados primitivos podem sempre ser reconstituídos; o psíquico primitivo é, no sentido mais pleno, imperecível.”
FREUD, Sigmund. Porquê a Guerra? – Reflexões sobre o destino do mundo, Ed. Edições 70, 2019, pág.35-36.
Considerações atuais sobre a guerra e a morte (1915)
“O desapontamento perante a morte”